30 de set. de 2007

Ressentimento

O ressentimento é uma constelação de afetos, desde a mágoa, a inveja, a raiva até a vingança, e que atinge indivíduos, grupos sociais e países. Embora vivenciar o ressentimento com conhecimento de causa seja uma experiência riquíssima, fala-se pouco sobre o assunto. Entretanto, o ressentimento foi objeto de estudo de grandes autores e particularmente a psicóloga Rita Kehl deu um tratamento brilhante, do qual me aproveito para escrever este texto, dividido em partes.

-O mecanismo
O ressentimento define-se como uma mágoa que não se supera. É um excesso de memória que tem como função o esquecimento primordial.
Agindo como mola de comportamento de diversos personagens reais e fictícios, tem uma ligação com a modernidade, que é o objeto fundamental deste texto.
De forma interessante, o ressentimento apresenta-se com duas faces: como afeto declarado é mau visto, sentido em alguém que não vai prá frente, que é amargo. Ninguém gosta de ser reconhecido como ressentido.
Mas quando o ressentimento vem camuflado na forma de uma queixa de alguém que se vê injustiçado, ou de alguém que se coloca como sensível, daí ele é visto em geral com complacência e generosidade, parecendo positivo.

Desta forma, o ressentimento é um afeto ímpar porque não pode ser nomeado mas tem, de fato, um brilho narcísico próprio. Ao se colocar como vítima de outros, o indivíduo fica parecendo melhor e passa a ser bem visto por todos. Basta notar que personagens ressentidos do teatro, cinema e televisão são recebidos pelo público como personagens de alma nobre, superior.

Todos enfrentamos adversidades e injustiças. Somos atingidos. Ficamos magoados. Mas a mágoa tem seu tempo, ela tem que passar: ou porque perdoamos, ou porque nos vingamos ou porque aquilo simplesmente deixa de ter importância com o tempo. Mas o ressentimento é uma mágoa que não se supera, é um afeto que petrifica e isola de negociação com a vida. A pessoa parece não querer se esquecer, fazendo um eterno retorno à queixa e ao lamento que acusa o outro. Pois se deveríamos sempre esquecer da dor, por quê aqui não se esquece?

O ressentimento revela um certo prazer nesse movimento de se achar bom e superior e desejar uma vingança velada contra o outro. Convenço-me de que nada fiz de errado e que se está assim ruim é porque alguém me prejudicou. Não assumo que errei nas escolhas, que cometi as faltas inevitáveis da vida, que lutei e perdi, não me admitindo como responsável pelo próprio fracasso.

Temos aqui um primeiro elo com a modernidade: pois que se a modernidade exige de nós sucesso constante, sem submissão ao sofrimento (vá ao médico e trate-se!) e uma postura individualista, onde cada um se faz sozinho por um caminho sem dívidas com antepassados ou semelhantes, surge aqui uma aliança com o ressentimento.
Essa aliança se manifesta na forma de preservação do ideal individualista (que é uma falácia, já que todos nós somos divididos e conflituados) e no caso de fracasso a culpa recai sobre o outro mantendo o indivíduo preservado sem reconhecer sua incompletude.

Como o ressentido julga-se superior e puro, então ele é incapaz de usar a agressividade para se defender e daí a vingança torna-se um fantasma.
Ou seja, “...o ressentimento é uma vingança imaginária e adiada” (Nietzsche).
O ressentido não se esquece da mágoa na esperança de que o outro vá pagar, nem que seja no juízo final e por obra divina e que desta forma não tenha que externar seus sentimentos vingativos.

Sim, os sentimentos vingativos são humanos, essa vontade existe. Como negar que nos causa satisfação que alguém que nos faça tropeçar agora caia sozinho mais adiante?
Mas a pureza do ressentido não lhe permite falar em vingança: ele quer “justiça”, nem que seja a divina, já que ele é o predileto de Deus. Algum dia ele espera ser vingado.

Desta forma o ressentimento produz um “envenenamento psicológico”, pois ao inibir o impulso vingativo-agressivo diante de uma ofensa, ele se volta contra o próprio sujeito. Esse ruminar de mágoas e invejas do outro não pode se confundir com a luta imediata de uma fera que quer se libertar do caçador. O ressentimento é resultado de uma luta inibida que depois torna-se ruminação.

-O grupo
Um grupo social que se revolta contra algo errado não é ressentido – a revolta é vital e pretende mudar a situação. Já o ressentimento é o avesso da revolta, pois não há luta, não mudo nada mas quero que vejam que sou vítima. É passivo como uma criança diante de seus pais que tem que cuidar dela, senão ela se queixa. É, isto sim, a submissão do grupo sem luta que gera o ressentimento.

Aqui vem outra ligação com a modernidade (de Max Scheler), pois a proposta moderna de igualdade de condições entre cidadãos desde o nascimento pode criar uma expectativa que isso se realize magicamente. Então grupos que se sintam prejudicados na escala social, se eles acreditarem que a igualdade se cumpre por si só, eles se tornarão um grupo ressentido. Afinal, a igualdade é um ideal moderno, mas que precisa ser conquistado.

Nas sociedades antigas, os prisioneiros de guerra viravam escravos e isso lhes causava sofrimento, mas eles não eram ressentidos porque isto estava previsto na ordem social deles. Não havia lugar para queixas do tipo “não esperava por isso”, havia apenas o sofrimento da captura. Havia revoltas, lutas, fugas. Mas não ressentimento. É só quando não posso me lembrar que na origem fui covarde e não lutei, quando isso vem e me incomoda é que acuso alguém para me esquecer desse primórdio.

Então vem a pergunta: por quê indivíduos e grupos se submetem e depois se ressentem?
O desenvolvimento da civilização produziu meios de coerção que são um avanço sobre os meios mais primitivos de coerção pela força bruta da espada e que são a introjeção de valores da classe dominante em outras classes sociais. Isto está em todos nós e é uma condição das democracias modernas. E de certa forma todos nós agimos de acordo com valores que só beneficiam a elite da sociedade. Os valores de bom comportamento, de ordem social, essa submissão voluntária às ordens do Estado etc., que teoricamente deveriam beneficiar a todos, nem sempre acontece assim. Há situações tremendamente injustas onde os mais injustiçados compartilham os valores da elite e ainda assim continuam se comportando bem, continuam se submetendo e obedecendo ao patrão.

Então, essa identificação de todos com os ideais que só servem a alguns produz o ressentimento, porque depois que há o reconhecimento da exploração, vem a pergunta: “cadê minha recompensa?” Bem, ela simplesmente não virá ...

-A origem
Essa construção da submissão é bem antiga. Precisamos reconhecer que o cristianismo nos submeteu a todos a uma lei moral que diz que a humildade é um valor superior, no sentido de que se alguém te bate, você deve oferecer a outra face. De modo que exige uma submissão ao sofrimento em nome de que em algum dia, no juízo final, alguém vai reconhecer o seu valor. Construiu-se assim uma exortação à submissão.

Além disso o Estado, como agente de controle social também veio prometendo que irá proteger o cidadão, desde que ele se comporte, ou seja, aqui aparecendo no formato de uma instância domesticadora.
Sob o cristianismo e o Estado moderno todo o impulso vital individual ou coletivo é enfraquecido, criando-se assim sociedade de homens "fracos-voluntários", que acham que ser fraco é ser bom. Neste momento o ressentimento surge como uma operação mental que diz: "... se eu sou fraco é porque sou bom, porque sou humilde, sou cristão".

Consequentemente quem é forte é mau. Mau porque explora. Então cria-se a moral que pune os fortes que tem vitalidade, que não recuam, que sabem que vida quer sempre mais vida. Note que o forte aqui não é o carrasco. É o realizador. Pois em nós convivem o forte e o fraco: o forte arrisca e consegue ou não realizar. O fraco vai pelo lado seguro, pelo lado da pureza moral e se defende narcisicamente, mantendo a ilusão de que é melhor que o outro por ser puro. E o ressentido ao ficar do lado do fraco, espera sempre que algum grande outro o proteja. No final, ele não abre mão de sua dependência e obediência a um Deus ou líder e espera ser recompensado algum dia por isso.

Preso nesse mecanismo, o ressentido não vai prá frente. Ao reconhecer-se como vítima ao invés de derrotado, ele não quer ver sua responsabilidade no dano sofrido e acaba por reivindicar que o seu opressor se enfraqueça. Há um apego infantil a um passado ideal, na forma de um bebê perfeito ao nascer e que depois vai tomando consciência da realidade dos erros cometidos.
Tudo pode começar como uma fantasia dos pais de que seus filhos serão ideais e terão um futuro brilhante. E elas podem acreditar nisso e criar uma expectativa de realização prometida: a criança fixa-se nesse prazer de se ver como potencial que não se realiza em potência vital, onde haveria necessidade dela medir-se.
Esse é o fenômeno da antecipação simbólica: é a expectativa de cumprimento de um direito que não teve que ser conquistado, que outro prometeu e garantiu, fazendo disso uma esperança passiva e que na falta de resultados torna-se uma sensação de usurpação ou privação. Cria-se assim um ressentido. Uma triste armadilha da modernidade.

19 de set. de 2007

Engano


Você já percebeu que as pessoas tendem a aceitar descrições vagas e genéricas de personalidade como se fossem feitas sob medida para elas? Não percebem que essas descrições poderiam, sem esforço, ser igualmente bem aplicadas a qualquer pessoa? Vamos a um exemplo de descrição:

"... você tem necessidade de ser admirada e respeitada por outras pessoas, mas é muito autocrítica consigo mesma. Embora tenha algumas falhas de personalidade, geralmente consegue compensá-las com outras coisas. Muitas vezes, você fica em dúvida se tomou a decisão correta ou se fez a coisa certa. Mas tem orgulho de ser uma pessoa que pensa com independência e que não aceita argumentos dos outros sem questioná-los. Mas já percebeu que não é sábio ser franca e revelar tudo o que pensa para os outros. Às vezes você se sente extrovertida, amável e sociável, enquanto outras vezes prefere ficar a sós e reservada, com suas aspirações nem sempre realistas.."

Se você se viu neste texto, saiba que milhares de outras pessoas também. A explicação mais comum para isso é que as pessoas tendem a aceitar declarações mais facilmente na proporção do desejo que elas tem que aquilo seja verdade, em detrimento de outras declarações mais certas e isentas. É possível até que as pessoas fabriquem interpretações próprias e convenientes de forma a validar tudo que escutam de agradável para elas.

Como seres da esperança e da incerteza, invocamos poderosos mecanismos psicológicos para tentar dar sentido a montes de informação desconexa que recebemos diariamente e acabamos por encontrar sentido razoável em coisas absolutamente sem sentido. Ou seja, preenchemos os brancos e montamos um quadro coerente com o que ouvimos e vemos, mesmo que uma observação cuidadosa mostre que os dados são vagos, confusos e obscuros. E uma vez estabelecidas as crenças, outro efeito chamado "profecia auto-realizável" faz com que passemos a considerar daí prá frente somente as coisas que confirmem a crença e desprezamos novas informações que sejam contra a posição assumida. Este mecanismo de perpetuação consolida o erro original e constrói uma super-confiança difícil de remover.

A existência desta tendência das pessoas acharem que um conjunto de declarações são precisas e feitas sob encomendas para elas, quando na verdade são genéricas (chamado de efeito Forer) é a base para a sobrevivência de muitas práticas como cartomancia, grafologia e etc, onde profissionais habilidosos procuram pistas nas próprias pessoas para tornar suas declarações, embora genéricas, altamente convincentes. De certa forma, o cliente acaba falando o que deseja ouvir, e depois nem reconhece que fez isso.

São mais suscetíveis ao efeito Forer as pessoas autoritárias, com necessidade de aprovação externa e com baixa auto-estima. Dessa forma, preste atenção quando alguém tentar convencê-lo de alguma coisa usando esta técnica. É mais comum do que se pensa.

15 de set. de 2007

Amor aos filhos


Um filho exprime em nossa sociedade dois tipos de vínculos: o vínculo biológico do apego, que é inato e indiscutível (cuidar do bebê, alimentá-lo, assegurar sua sobrevivência) e o vínculo de parentesco, mais complexo, e relacionado ao amor. O vínculo de parentesco está essencialmente ligado ao desejo de que a cultura se reproduza com os filhos e imortalize nossos valores através dos tempos, superando nossa existência limitada.

Entretanto, a composição da família mudou ao longo dos tempos. Na família tradicional aristocrática, o investimento nos filhos era feito na esperança de que eles levassem adiante a reputação do nome da família, onde o interesse na casta era maior que o interesse individual.

Só mais recentemente, há uns 300 anos, apareceu a família nuclear, onde constituíram-se vínculos conjugais consentidos pela escolha amorosa e não mais impostos pela família. Desta forma, a proposta do vínculo conjugal agora é pela escolha do parceiro, pela monogamia e pela indissolubilidade da união com muito mais atenção concentrada no amor aos filhos, algo inimaginável na época dos gregos e romanos. A família reduz-se em tamanho com a urbanização e os interesses ficam cada vez mais específicos e intensos sobre os filhos, vistos como frágeis e como a única esperança para um futuro melhor.

Quem foi adulto os anos ’60 e ’70, entretanto, pode vivenciar uma época em que essas regras de constituição familiar começaram a ser atacadas. Os movimentos de contracultura e as comunidades hippies (com seus filhos comunitários criados sem apego) propuseram formas alternativas de constituição familiar. O que restou foi a constatação de que o casamento deixa de ser indissolúvel e que a promessa de ligação eterna realiza-se cada vez menos. Começou a aceitar-se que, se o amor acaba, o casamento pode terminar. E que os filhos poderão ter outros pais de criação, hoje uma figura até mais importante que o pai biológico. É outro a dar ordens.

Em paralelo, mecanismos de controle de natalidade associados com desafios profissionais mais intensos para as mulheres transformaram o ato de ter filhos num exercício de vontade, ou seja, podem chegar na hora certa como parte de um plano de vida, sendo assim ainda mais queridos e bem-vindos. Serão crianças mais mimadas e talvez com figuras paternas mudando ao longo do tempo?

Foi então que percebeu-se outra mudança significativa: o estabelecimento de uma crítica à hierarquização da família, onde a aceitação da autoridade dos pais passa a ser questionada muito precocemente pelos filhos. Com isso, nas famílias o respeito ao status de pai migrou para um respeito ao desejo da criança. É como se fosse dada à criança um poder de decisão sobre questões para as quais ela ainda sequer está madura para decidir. Por quê isso está acontecendo?

Uma primeira razão proposta é que o respeito à autoridade anda em ciclos, e após um período consideravelmente repressivo dos anos ’60 e ’70, os pais de hoje parecem querer compensar isso permitindo um avesso de comportamento dos seus filhos totalmente sem respeito à autoridade. Ora, esse é um ponto perigoso: pois a autoridade é como um solo que se formou sobre o que ainda existe e que passou pelo teste do tempo. Sobre esse solo é que podemos fazer nossas acrobacias, mas dependemos da gravidade e do solo para trazer-nos de volta. Veja que só há autoridade sobre o que já aconteceu e se consolidou, nunca sobre o passageiro e fugaz. E o que sufoca é o abuso da autoridade, não a existência dela.

Com isso tudo opera-se uma alteração onde passa a haver uma certa opacidade da função paterna, que não mais se exerce plenamente pelo exercício da autoridade, de mostrar o que é bom sem precisar justificar-se. Os filhos se percebem soltos e desligados por esse canal. O afeto passa a ser demonstrado pelas aparências, pelo material, pelo excesso de mimo e presentes. A criança então, para buscar segurança, passa a tiranizar a relação com os pais e a pensar que a aceitação disso por eles seria a prova de carinho que eles buscam. Soma-se a isso um certo sentimento de culpa dos pais que se reconhecem ausentes na criação dos filhos (porque estão ocupados cuidando de suas carreiras) e sequer permitem efetivamente que a escola cumpra esse papel de autoridade na criação, e pronto, temos o quadro atual preocupante, esgarçante, de filhos totalmente sem controle e sem capacidade de lidar com as contrariedades da vida.

Agora resta vermos como essa autoridade perdeu-se. Qual o mecanismo por trás dessa perda? Pode-se sugerir que é a chamada moral do espetáculo, onde operou-se uma mudança importante nos tempos atuais. Essa mudança colocou em cheque as figuras tradicionais da autoridade, como o bom pai, o bom estadista, o bom político, a boa religião e as substituiu por figuras fugazes criadas pela mídia de massa.

A força de penetração da mídia de massa trás, além de seus benefícios de mercado, um revés inevitável: atua como filtro da realidade, distorcendo valores e fazendo os adultos perderem a auto-confiança, pois a realidade deles passa a ser determinada e alterada rapidamente pelo espetáculo, pelo que está em cartaz. Nós permitimos isso, pareceu confortável, o consumo disso pareceu sedutor.

Em contraste, vamos analisar o que é a pura diversão: é aquilo que abre um lugar de repouso do nosso agir ético. Durante o tempo da diversão, você deixa de pensar e agir eticamente. Se você não fizer assim você torna-se um chato: não aproveita as piadas sobre sexualidade, autoridade e pudor, que são assuntos que temos a obrigação de manter ilesos no cotidiano.

Precisamos pois reconhecer um certo “agente hostil” no ser humano que precisa manifestar-se e que temos de achar um caminho de escape que seja inofensivo: isso é o que se faz no terreno da grande arte e do entretenimento. Pensemos sobre as tragédias gregas: aquelas coisas terríveis, bizarras, mas que todos ao saírem do teatro sabiam que aquilo era diversão e então voltavam para suas vidas cotidianas. Ninguém ao fazer essas tragédias sequer cogitou que aquilo pudesse ser modelo de comportamento para alguém. Esse é o ponto: o modo de viver a diversão não pode migrar para o cotidiano. Mas a mídia de massa subverteu isso e passou a criar modelos de comportamento instantâneo via espetáculo: a cada mês, impõe-se modismos via celebridades pelo espetáculo. Preenche-se assim um vazio na vida via consumo. Sedutor e eficaz.

Dessa forma, operou-se uma transição de figuras de autoridade do virtuoso e da notoriedade para a figura da celebridade fugaz, fascinante e passageira, sem responsabilidade. Isso, bem lembrado: Big Brother Brasil. A vida exemplar passa a ser a visibilidade de um bem estar momentâneo: dizem ‘tenha um sonho e vá em frente, você consegue’. Só isso?

Então, esse processo todo termina por aniquilar a autoridade dos pais com relação aos filhos: como acompanhar o fugaz? Como mostrar o bem se o amiguinho irado do colégio parece estar mais por dentro do que é certo?

Não estou querendo dizer que não houveram ganhos com a formação familiar atual, menos paternalista: de fato, os filhos de hoje são menos oprimidos, menos preconceituosos e até mais ligados afetivamente aos pais que antes, mas precisamos atentar para redefinirmos nossa felicidade afastando-nos o quanto for possível da moral do efêmero. Esses ganhos não precisam eliminar a figura da autoridade. Precisam conviver com ela. Saber que apegamo-nos a corpos mas amamos verdadeiramente apenas idéias e imagens pode ajudar nessa tarefa lenta e constante de reaproximação da razão.

Beaver.

9 de set. de 2007

Pessoas primeiro

Talvez você, assim como eu, trabalhe desenvolvendo sistemas ou métodos para as pessoas depois usarem. Isso exige um bocado de esforço, tentando entender o que elas precisam e elaborando algo que elas gostem de usar e que seja útil. Infelizmente, a experiência mostra que muitas vezes tudo que pensamos é ignorado e mesmo sem nós as pessoas continuam a fazer suas coisas e completar suas tarefas. Daí vem novas metodologias, novos autores, novas ferramentas e as pessoas continuam a fazer suas coisas do seu jeito.

Isso acontece, no caso de trabalhadores do conhecimento, porque as características das pessoas são o primeiro fator a ser entendido e respeitado e os sistemas e métodos vêm depois, são menos importantes. (exceto com trabalho mecânico e braçal, onde isso funciona de modo diferente).

Pessoas são ativas, e há pelo menos 4 coisas que não podemos esquecer:
1- Pessoas são seres da comunicação, funcionando melhor ao vivo, com perguntas e respostas imediatas;
2- Pessoas não gostam de mudanças (só depois que funcionam) e têm dificuldade em agir de forma consistente ao longo do tempo;
3- Pessoas são altamente variáveis ao longo do tempo e conforme o local;
4- Pessoas são eficazes em olhar em torno em busca de soluções.

O último ponto quer dizer que você nunca deve “engessar” demais, escrever demais o que as pessoas têm que fazer. A menos de procedimentos especiais de segurança ou coisas muito mecânicas, se houver motivação o ser humano mostra sua capacidade de buscar fragmentos de informação e reunir tudo de uma maneira melhor do que qualquer documento escrito (e provavelmente desatualizado).

O ponto que diz sobre a variabilidade das pessoas implica que um documento ou uma metodologia pode não estar adequado a uma ampla variedade cultural dos usuários, podendo mesmo ser rejeitado. Num mundo globalizado, isso torna-se um desafio, pois normas da matriz podem ser rejeitadas simplesmente porque, embora eficazes, não servem para todos os lugares e todas as pessoas.

O segundo ponto é interessante porque implica que quanto mais regularidade de comportamento uma nova metodologia exige, menor suas chances de sucesso. Embora as pessoas pareçam gostar de saber o que elas devem fazer, isso não significa que elas gostem de seguir aquilo repetidamente, sempre igual, ao longo de muito tempo. Quer exemplos fáceis: os regimes alimentares, os programas físicos e tudo mais que requeira muita disciplina. Pedir para alguém mudar de hábito e ter muita disciplina na nova forma de agir é simplesmente pedir demais... é melhor dar apenas orientações e nada de regras rígidas.

O primeiro ponto é o mais importante. Numa era de múltiplas formas de comunicar-se, às vezes perdemos de vista que essas formas não são equivalentes. Precisamos avaliar a situação e usar a forma mais adequada e não usar sempre a mesma forma pra tudo...

Há um consenso de que a efetividade das formas de comunicar-se diminuem à medida que se perde proximidade física ou modos de transmissão.
A forma mais efetiva é o contato pessoal, principalmente para desenvolver confiança e poder usar todos os canais: visual e verbal com troca simultânea de sinais.
Agora remova a proximidade física e vá para o videoconferência: mesmo em sistemas mais avançados e realistas, percebe-se que a confiança da troca só pode ser desenvolvida pessoalmente. Não é bom para primeiros contatos.
Agora remova os gestos visuais e vá para o telefone: muito do conhecimento é ancorado em chaves visuais e para situações novas a falta da troca visual, dos desenhos e gestos compromete o resultado.
Agora remova a entonação de voz e mantenha apenas a capacidade de fazer perguntas: vá para o Messenger ou até elimine a capacidade de respostas imediatas e vá para o e-mail: a dificuldade no feedback exige que você tente adivinhar o que o outro lado está pensando e implica que você precisa ter muito mais cuidado com o que diz para não ser mal interpretado;
Agora elimine a habilidade de fazer perguntas e vá para o documento escrito. Aqui é o pior dos mundos, pois quem escreve precisa tentar adivinhar, sem realimentação, o que o outro lado pode estar pensando ou querendo.

Então, de cima prá baixo, cada vez mais perde-se capacidade de transmitir o conhecimento tácito, ficando-se restrito às coisas bem explícitas, chegando no limite ao desagradável manual de um aparelho eletrodoméstico, bem chato.

Lembre-se que quando estiver numa situação qualquer, você deve pensar qual o meio mais adequado para comunicar-se: não fique eternamente preso ao e-mail se não estiver funcionando. Se der, pegue o telefone ou vá até lá!

7 de set. de 2007

Amor Romântico


A atualidade nos impõe impasses com relação ao romantismo amoroso. Como tudo que tem valor, a conquista e manutenção do amor não é fácil: é uma tarefa que nos é imposta, pois o amor não é espontâneo e também causa sofrimento. Para percebermos outras facetas dessa questão, vamos tomar distância, ponderar e depois voltar com uma perspectiva mais rica desse sentimento: afinal o amor não está escrito em preto-e-branco, mas é cheio de meios-tons.

Como dizia Nietzche, para sabermos quem somos temos que colocar entre a gente e a gente mesmo pelo menos a pele de 3 séculos. Dessa forma, precisamos saber se pilares do amor moderno, a saber: - que é um sentimento universal, - que é espontâneo, - e que é o mais importante dos sentimentos, se isso foi sempre assim.

Não foi. Voltando 20 séculos, para a época de Platão, aparece um amor diferente: lá o culto ao eros estava ligado ao amor às formas puras dos gregos e romanos. Não tinha nada a ver com paixão por alguém. O amor romântico era desconhecido ou pouco aspirado na época.

Séculos depois, na Idade Média de Santo Agostinho, um importante filósofo do cristianismo, o amor manifestava-se em duas vertentes:
- a pecaminosa, chamada de amor cupiditas, ligada ao domínio, ao libido, ao apego às coisas materiais e fungíveis. O perecível era o pecado. O inferno era considerado o ato de morrer e ainda continuar desejando.
- e a virtuosa, chamada de amor caritas, corrente racional ligada ao que não perece, ao eterno (Deus), à tranquilidade. Procurava-se assim eliminar o sofrer humano por ceder ao impulso de desejar algo que não se tem ou por perder algo que se tem. E sempre se tem a Deus e isso não se perde. Não perece. Mas ainda não tinha a ver com paixão por alguém.

Até que (ainda estamos na Idade Média, ano 600), uma corrente mais mística toma força: contrapõe-se ao racionalismo de Santo Agostinho e diz que só se chega a Deus através do amor a outra pessoa, e não através do exercício racional. Entendeu-se que foi essa a mensagem de Deus ao enviar Cristo à terra, para que Ele pudesse ser amado através de uma forma humana. Nessa época a mulher não tinha boa fama.

A mulher era ligada ao pecado, de forma que o amor era praticado só entre os monges, mas sem conotação sexual. O importante desse momento é que aqui começou a desenvolver-se a linguagem do amor pelo outro, que não existia. O que se estava fazendo era basicamente treinar o místico para se chegar a Deus, através de escritos de extremo valor sentimental. Era uma resposta verbal ao Amor Divino recebido.

Daí vieram as cortes francesas e o amor provençal dos castelos. Nessa época o que importava era o amor cavaleiresco (como na corte do Rei Arthur), onde colocou-se no lugar de Deus, a mulher. O cavaleiro amava a dama do Rei, mas sem tocá-la, pois apenas o amor não-realizado é que era puro. O cavaleiro casava-se com outra dama para assegurar a linhagem. Por sua vez, essa dama poderia ser alvo de amor de outro cavaleiro, que a respeitava. É dessa época o famoso conto de Tristão e Isolda onde transparece o amor frustrado e infeliz, que cresce quando não pode realizar-se e se desvanece ao viabilizar-se sua realização.

Mais um passo e ao entrarmos na Renascença o homem volta-se para si mesmo e diz: “eu sou o rei e conquistador”. É a época das descobertas do além-mar, do domínio das ciências. Neste momento a mulher vai para segundo plano do ponto de vista do amor e passa a exercer principalmente seu papel de mãe. No Absolutismo do século XVII considerava-se que o casamento era coisa muito séria para estar ligado a algo tão instável como o amor. O casamento estava ligado à conservação das posses e alianças entre famílias. E todo o gozo obtinha-se de outras mulheres da vida.

Então, a revolução francesa burguesa mudou isso novamente: mostrou que aquela era uma vida sem sentido e que devia-se sair dos castelos e ir ao campo, ter relacionamentos verdadeiros. É dessa época que operou-se o início do amor romântico dos tempos atuais: Rousseau, como fundador do romantismo, propôs que se o egoísmo sexual do ser humano pudesse ser direcionado para o casamento e manutenção de uma prole, o mundo seria muito mais feliz. Isso espalhou-se rapidamente pela Europa, e a escolha do parceiro começou a ser feita mais orientada pelo amor e não mais estritamente por interesses econômicos.

É dessa época a criação dos folhetins, com histórias de peripécias do amor, intrigas, traições, que estendeu-se até os tempos atuais com as telenovelas.
Dessa forma, as mulheres são criadas para o casamento e para cuidar da criação e felicidade dos filhos, suportando pacientemente as traições de seus maridos. E elas eram idolatradas por suportarem isso ! E se queriam espasmos sentimentais, era dado a elas as óperas, tragédias do teatro e concertos, extremamente emocionais (Chopin, Schumann), possibilitando uma verdadeira catarse do amor. Isso tudo funcionava bem porque era feito para assegurar a coesão social, com a família nuclear estável baseada na forte figura da Sagrada Família.

Dessa forma, apareceu o lar abrigado do romantismo: o indivíduo passa a ligar-se à sociedade através da família, como acontece até hoje.

Entretanto, esse modelo naturalmente sofreu ataques. Os mais importantes vieram dos movimentos de contracultura dos anos ’60 e ’70, movimentos de libertação sexual e questionamentos à família nuclear. A mulher passou a vestir-se de forma provocante, estudou, arranjou trabalho e conquistou sua independência econômica. E o que restou disso foi um aumento na competição (guerra dos sexos) e o desejo de se ter uma ligação amorosa com liberdade libidinal.

Entretanto, desatar o vínculo afetivo da própria ligação sexual ainda não foi bem resolvido pelas mulheres assim como os homens não aprenderam a lidar com o poder das mulheres junto com a sua natural sedução. Criou-se uma tensão constante nos relacionamentos, e o que parece ser a bela festa do vizinho ao lado na verdade não é bem assim. Casais de fato separam-se muito rapidamente nos centros urbanos. Estima-se que mais de 85% dos casamentos fracassam em dois anos, causando separações ou vidas conjuntas infelizes.

Como conciliar a necessidade de liberdade com a segurança de um casamento? Como conciliar aquele prazer da ternura e intimidade de uma conversa à noite na cozinha preparando um chá e o poder separatório da realização profissional e pessoal de cada um do casal?

Talvez a resposta venha de novas configurações do sentimento. O relativo abandono da melodia romântica em prol do ritmo forte da música eletrônica pode ser um sinal de mudança no padrão sentimental. O fim da cultura patriarcal, com casais mais amigos desde a infância, experimentando o ficar sem compromisso, pode ser outro sinal. A desistência das jovens do modelo de mãe quase santa, que vive para criar os filhos e abdicar-se de todo o resto, também está mudando. A formação de uma multidão de solteiros convictos do quarto-e-sala, servidos pelos deliveries 24 horas e que não mais aceitam um relacionamento de pouca qualidade, é outra novidade.

A saída virá de casais mais individualizados, mas desejosos de um relacionamento de aproximação de inteiros, mais amigos, mais confidentes. Nada que vá substituir a família, soberana, mas algo que vá fortalecê-la com a capacidade do ser humano de resolver os impasses que a evolução nos trás.

2 de set. de 2007

O Vendedor


Entro numa loja. Vem o vendedor. Em dez segundos já dá pra saber se ele combina comigo ou não. E não se trata só de simpatia ou competência, isso ajuda mas nem sempre resolve. Trata-se de sintonia. Isso sim resolve.

O que um bom vendedor sabe que o faz vender bem? Eu defendo que é o bom uso que ele faz dos canais de comunicação, de acordo com o perfil do comprador.
As pessoas, de acordo com seu perfil e de acordo com o momento, dão importâncias diferentes às imagens, sons e movimentos contidos numa comunicação. Ou seja, têm pessoas mais ligadas ao visual, ao estilo; outras mais ligadas ao sons, palavras, tons de voz; outras mais ligadas ao cinestésico, aos movimentos corporais.
Dessa forma, cabe ao vendedor identificar qual canal está aberto e usá-lo de acordo. Se usar o canal errado, toda a simpatia e competência que ele tiver serão diminuídos.

Depois, a coisa a fazer é reconhecer que existem alguns tipos bem característicos de comprador:
. o moderno: ligado aos lançamentos, à grife, ao estilo;
. o amável: é o conversador, que anda em grupo, gosta de uma conversa;
. o objetivo: que prefere o auto-serviço, a rapidez e a eficiência;
. o exigente: que requer informação exata, abundante.

Para cada um desses tipos, é preciso identificar qual canal de comunicação está aberto e trabalhar ainda alguns truques para facilitar a venda. São truques básicos, nós vivemos imersos neles, ainda que às vezes sem perceber.

O truque do contraste mostra algo que servirá de referência para a venda: Por exemplo, se você mostra um relógio desejável e caro na vitrine, ele se torna uma referência de preço para o relógio que na verdade se vai vender dentro da loja, e que vai parecer mais barato.

O truque da reciprocidade é mais sutil: você faz alguma concessão aqui em algo que não é muito importante para conseguir uma vantagem ali, onde o ganho é considerável. Por exemplo, quando o vendedor diz que vai te dar um desconto se você levar os dois produtos, ele te faz uma concessão de desconto (que já estava prevista para ele) e você acaba levando algo que não quer. Isso é tão eficaz que existe uma variante onde o vendedor faz você rejeitar algumas coisas difíceis de se aceitar até que ele te oferece algo melhor e daí você se sente compelido a aceitar, prá não dar uma de chato que recusa tudo...

Outro truque comum é o da escassez, onde o vendedor faz você acreditar que a oferta é escassa e vai acabar em breve, fazendo surgir em você a compra de urgência, por impulso. É o “leva agora que vai acabar”.

E finalmente, existe o truque do “sim induzido”. O vendedor te força a concordar com ele em várias coisas banais, e com uma série de respostas “sim” ele lança a oferta que interessa e o “sim” acaba vindo mais naturalmente. Essa é a base de todo o prelúdio da venda, um período em que o vendedor precisa conquistar vários “de acordo” do comprador antes da venda efetiva. (... a comida daqui é ótima, né? )

É claro que isso tudo não banaliza a importância da credibilidade, da competência, da coerência e da história pregressa do vendedor. Mas ressalta a importância de se criar uma realidade pela solicitação. Esses mecanismos efetivamente solicitam um acontecimento, e por isso é que são eficazes.

Observe entretanto que tudo que falamos até agora tem mesmo a ver é com a nossa venda de idéias para os outros. Não é sobre um vendedor de loja de roupas. Foi só mais um truque.

1 de set. de 2007

Jogando


Uma das necessidades básicas do ser humano é obter trocas constantes em seus relacionamentos sociais. Entretanto, se você observar as pessoas conversando, vai notar que muitas delas repetem suas atuações: algumas sempre são agressivas e ofendem os outros; outras levam tudo na brincadeira; outras conseguem deprimir quem fala com elas; outras conseguem sempre chocar com posições extremadas. Por quê isso acontece?

Quando não estão obtendo trocas emocionais suficientes, as pessoas vão atrás de mais trocas, como alguém faminto vai atrás de comida. Daí desenvolve-se a dinâmica das representações e dos jogos que as pessoas jogam, na expectativa de obter mais trocas com os outros, ainda que negativas, assim como a fome extrema nos força a comer coisas que não gostamos.

Além disso, esses jogos possibilitam às pessoas verem o mundo de uma maneira coerente e inteligível, ainda que numa visão pessimista. Então, desde cedo, as pessoas escolhem seus scripts e através desses jogos afirmam para si próprios quem são e qual o sentido de suas vidas.

Os jogos que jogamos e as trocas resultantes são de fato significativas para modelar nossas vidas. Daí surgem as pessoas que regularmente são despedidas, que levam fora dos namorados, que vivem bêbadas, que estão sempre atrasadas, sempre em dívida, sempre esquecem coisas etc. Isso são exemplos de scritps e jogos que podem ser representados por anos, causando muitos danos, a menos que sejam percebidos, entendidos e mudados.

Os três principais papéis que aparecem nesses jogos são chamados de Resgate, Perseguidor e Vítima. Normalmente andamos por todos esses papéis ao longo do tempo.

O Resgate é quando a pessoa quer obsessivamente cuidar de alguém que pode e deve se cuidar por conta própria; o Perseguidor vive criticando, julgando e punindo; e a Vítima deixa outros conduzirem sua vida. A vida política, por exemplo, tem representantes desses três papéis o tempo todo: alguém que quer cuidar dos menos favorecidos, alguém que quer castigar os fora-da-lei e alguém que se faz vítima do sistema.

Essas são representações extremas, mas importantes de serem entendidas. O Resgate sempre faz mais do que deve ou coisas que nem quer fazer; o Perseguidor, que pode ter sido anteriormente um Resgate farto de resgatar, passa a querer de volta o que cedeu e passa a agredir os outros; e a Vítima acaba sendo o objeto e alimento dos outros dois tipos.

Então, os três tipos se auto-realimentam e a única forma de eliminar isso é parando de jogar o jogo. Você precisa identificar isso, e pedir sinceras desculpas aos outros envolvidos no jogo. Precisa obter suas trocas de um dia-a-dia mais livre e saudável e jogar menos.

Consciência Emocional



Às vezes podemos resgatar velhas ferramentas para tratar de situações atuais. Uma delas, dos anos ‘50, é a análise transacional. É uma técnica que investiga os relacionamentos humanos focando no conteúdo da interações entre as pessoas, e interação entre pessoas é algo que a modernidade vem intensificando.

Na época foi uma novidade porque enquanto a análise tradicional se preocupa mais com o que se dá dentro das pessoas, a análise transacional foca no que acontece entre as pessoas e como elas podem mudar suas vidas corrigindo erros de comportamento. Dessa forma, a interação e o que se troca são a base dessa abordagem.

Basicamente, ela divide o comportamento em 3 porções chamadas de papéis: do pai, do adulto e da criança.

--O papel de pai corresponde ao tradicional, ao protetor preconceituoso.
--O papel de adulto corresponde ao racional e lógico.
--E o papel da criança corresponde ao espontâneo, criativo e rebelde.

Eric Berne, um analista americano que propôs isso, percebeu que em curtos intervalos de tempo nós caminhamos por esses papéis, sucessivamente, e que isso pode ser facilmente notado. Ou seja, embora em geral gostemos de pensar que estamos sempre agindo racionalmente, frequentemente desempenhamos outros papéis que não o de adultos. Vejamos um exemplo, retirado de um texto do próprio Berne:

Um casal está fazendo compras num supermercado. Ela, notando um pacote de cerveja no carrinho diz: “Eu não sabia que iríamos comprar cerveja”

Esta é a pergunta do “ego adulto” ou um sinal de reprovação do “ego pai”?

Ao que o marido responde: “Humm, sim”.
Seria agora uma simples confirmação do “ego adulto” ou uma resposta rebelde do “ego criança”? Como decidir o que está havendo?


Naturalmente, fatos posteriores, tom de voz, história pregressa, etc. ajudam a decifrar a situação. O importante aqui é perceber que muitos diálogos que parecem racionais na verdade não o são – pois outros papéis estão sendo exercidos por interesses e sentimentos diversos e acabam por confundir os relacionamentos.

Saber identificar nos outros e em si mesmo esses diferentes papéis e sentimentos e tratá-los de forma produtiva faz parte de um amadurecimento emocional também proposto por Berne e que segue uma interessante escala.

Escala de Consciência Emocional

.Dormente: quando a pessoa sequer tem consciência de seus sentimentos, não sente nada, mesmo estando sob a influência de fortes emoções.
.Sensação física: você sente perturbações físicas mas não sabe bem o que é. Não consegue entendê-las, nem acha que tem a ver com emoções.
.Experiência caótica: Você está ciente que há uma carga emocional envolvida, mas não consegue explicar ou discutir a respeito.
.Barreira Verbal: E o limítrofe entre a experiência caótica e a capacidade de entender o que está havendo.
.Diferenciação: Cruzando a barreira verbal e falando sobre os seus sentimentos, você aprende a diferenciar entre a raiva, o amor, a vergonha e outros sentimentos básicos, que muitas vezes aparecem em conjunto e são de difícil separação.
.Causalidade: É quando você começa a identificar corretamente as verdadeiras causas de suas emoções.
.Empatia: É quando você fica realmente consciente das emoções dos outros visto não pelo seu ponto de vista, mas pelo ponto de vista do outro
.Interatividade: Quando você fica sensível ao fluxo de emoções em torno de você, quando entende como e porque o grupo está interagindo.

Ao refletir sobre a evolução acima, percebemos que muitos de nós sequer passou do passo 3. Compreender isso é importante para perceber que frequentemente achamos que as pessoas fizeram ou deixaram de fazer coisas por vontade própria. Não é bem assim.

É preciso compreender que pessoas estão em diferentes graus de evolução e simplesmente pode acontecer delas não conseguirem fazer nada melhor do que fizeram naquela situação, naquele momento. Será preciso dar e receber ajuda.