7 de set. de 2007

Amor Romântico


A atualidade nos impõe impasses com relação ao romantismo amoroso. Como tudo que tem valor, a conquista e manutenção do amor não é fácil: é uma tarefa que nos é imposta, pois o amor não é espontâneo e também causa sofrimento. Para percebermos outras facetas dessa questão, vamos tomar distância, ponderar e depois voltar com uma perspectiva mais rica desse sentimento: afinal o amor não está escrito em preto-e-branco, mas é cheio de meios-tons.

Como dizia Nietzche, para sabermos quem somos temos que colocar entre a gente e a gente mesmo pelo menos a pele de 3 séculos. Dessa forma, precisamos saber se pilares do amor moderno, a saber: - que é um sentimento universal, - que é espontâneo, - e que é o mais importante dos sentimentos, se isso foi sempre assim.

Não foi. Voltando 20 séculos, para a época de Platão, aparece um amor diferente: lá o culto ao eros estava ligado ao amor às formas puras dos gregos e romanos. Não tinha nada a ver com paixão por alguém. O amor romântico era desconhecido ou pouco aspirado na época.

Séculos depois, na Idade Média de Santo Agostinho, um importante filósofo do cristianismo, o amor manifestava-se em duas vertentes:
- a pecaminosa, chamada de amor cupiditas, ligada ao domínio, ao libido, ao apego às coisas materiais e fungíveis. O perecível era o pecado. O inferno era considerado o ato de morrer e ainda continuar desejando.
- e a virtuosa, chamada de amor caritas, corrente racional ligada ao que não perece, ao eterno (Deus), à tranquilidade. Procurava-se assim eliminar o sofrer humano por ceder ao impulso de desejar algo que não se tem ou por perder algo que se tem. E sempre se tem a Deus e isso não se perde. Não perece. Mas ainda não tinha a ver com paixão por alguém.

Até que (ainda estamos na Idade Média, ano 600), uma corrente mais mística toma força: contrapõe-se ao racionalismo de Santo Agostinho e diz que só se chega a Deus através do amor a outra pessoa, e não através do exercício racional. Entendeu-se que foi essa a mensagem de Deus ao enviar Cristo à terra, para que Ele pudesse ser amado através de uma forma humana. Nessa época a mulher não tinha boa fama.

A mulher era ligada ao pecado, de forma que o amor era praticado só entre os monges, mas sem conotação sexual. O importante desse momento é que aqui começou a desenvolver-se a linguagem do amor pelo outro, que não existia. O que se estava fazendo era basicamente treinar o místico para se chegar a Deus, através de escritos de extremo valor sentimental. Era uma resposta verbal ao Amor Divino recebido.

Daí vieram as cortes francesas e o amor provençal dos castelos. Nessa época o que importava era o amor cavaleiresco (como na corte do Rei Arthur), onde colocou-se no lugar de Deus, a mulher. O cavaleiro amava a dama do Rei, mas sem tocá-la, pois apenas o amor não-realizado é que era puro. O cavaleiro casava-se com outra dama para assegurar a linhagem. Por sua vez, essa dama poderia ser alvo de amor de outro cavaleiro, que a respeitava. É dessa época o famoso conto de Tristão e Isolda onde transparece o amor frustrado e infeliz, que cresce quando não pode realizar-se e se desvanece ao viabilizar-se sua realização.

Mais um passo e ao entrarmos na Renascença o homem volta-se para si mesmo e diz: “eu sou o rei e conquistador”. É a época das descobertas do além-mar, do domínio das ciências. Neste momento a mulher vai para segundo plano do ponto de vista do amor e passa a exercer principalmente seu papel de mãe. No Absolutismo do século XVII considerava-se que o casamento era coisa muito séria para estar ligado a algo tão instável como o amor. O casamento estava ligado à conservação das posses e alianças entre famílias. E todo o gozo obtinha-se de outras mulheres da vida.

Então, a revolução francesa burguesa mudou isso novamente: mostrou que aquela era uma vida sem sentido e que devia-se sair dos castelos e ir ao campo, ter relacionamentos verdadeiros. É dessa época que operou-se o início do amor romântico dos tempos atuais: Rousseau, como fundador do romantismo, propôs que se o egoísmo sexual do ser humano pudesse ser direcionado para o casamento e manutenção de uma prole, o mundo seria muito mais feliz. Isso espalhou-se rapidamente pela Europa, e a escolha do parceiro começou a ser feita mais orientada pelo amor e não mais estritamente por interesses econômicos.

É dessa época a criação dos folhetins, com histórias de peripécias do amor, intrigas, traições, que estendeu-se até os tempos atuais com as telenovelas.
Dessa forma, as mulheres são criadas para o casamento e para cuidar da criação e felicidade dos filhos, suportando pacientemente as traições de seus maridos. E elas eram idolatradas por suportarem isso ! E se queriam espasmos sentimentais, era dado a elas as óperas, tragédias do teatro e concertos, extremamente emocionais (Chopin, Schumann), possibilitando uma verdadeira catarse do amor. Isso tudo funcionava bem porque era feito para assegurar a coesão social, com a família nuclear estável baseada na forte figura da Sagrada Família.

Dessa forma, apareceu o lar abrigado do romantismo: o indivíduo passa a ligar-se à sociedade através da família, como acontece até hoje.

Entretanto, esse modelo naturalmente sofreu ataques. Os mais importantes vieram dos movimentos de contracultura dos anos ’60 e ’70, movimentos de libertação sexual e questionamentos à família nuclear. A mulher passou a vestir-se de forma provocante, estudou, arranjou trabalho e conquistou sua independência econômica. E o que restou disso foi um aumento na competição (guerra dos sexos) e o desejo de se ter uma ligação amorosa com liberdade libidinal.

Entretanto, desatar o vínculo afetivo da própria ligação sexual ainda não foi bem resolvido pelas mulheres assim como os homens não aprenderam a lidar com o poder das mulheres junto com a sua natural sedução. Criou-se uma tensão constante nos relacionamentos, e o que parece ser a bela festa do vizinho ao lado na verdade não é bem assim. Casais de fato separam-se muito rapidamente nos centros urbanos. Estima-se que mais de 85% dos casamentos fracassam em dois anos, causando separações ou vidas conjuntas infelizes.

Como conciliar a necessidade de liberdade com a segurança de um casamento? Como conciliar aquele prazer da ternura e intimidade de uma conversa à noite na cozinha preparando um chá e o poder separatório da realização profissional e pessoal de cada um do casal?

Talvez a resposta venha de novas configurações do sentimento. O relativo abandono da melodia romântica em prol do ritmo forte da música eletrônica pode ser um sinal de mudança no padrão sentimental. O fim da cultura patriarcal, com casais mais amigos desde a infância, experimentando o ficar sem compromisso, pode ser outro sinal. A desistência das jovens do modelo de mãe quase santa, que vive para criar os filhos e abdicar-se de todo o resto, também está mudando. A formação de uma multidão de solteiros convictos do quarto-e-sala, servidos pelos deliveries 24 horas e que não mais aceitam um relacionamento de pouca qualidade, é outra novidade.

A saída virá de casais mais individualizados, mas desejosos de um relacionamento de aproximação de inteiros, mais amigos, mais confidentes. Nada que vá substituir a família, soberana, mas algo que vá fortalecê-la com a capacidade do ser humano de resolver os impasses que a evolução nos trás.

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