28 de out. de 2012

Seja Você Mesmo ?


O imperativo "Seja Você Mesmo" está no coração de muitos sistemas éticos cristãos e não-cristãos -- e no entanto nada é tão suspeito aos nossos companheiros quanto isso. 

E a razão não está distante: quanto mais inteiramente e verdadeiramente alguém se mostra, tanto mais doloroso será para os outros a comparação com eles próprios, já que indivíduos só podem ser iguais se cada um esconder sua essência.

Não estamos sós com relação a este modo universal de comportamento humano, que procura apaziguar a inveja alheia através de medidas que suavizam ou até eliminam por completo a percepção de sermos melhores aqui ou ali.

Muitas das coisas que se estabeleceram nas sociedades organizadas, como a etiqueta das boas maneiras, no fundo estavam preocupadas com essa questão de lidar com o olho maldito da inveja alheia. 

Por essa razão, muito do que se mostra como exibição de "individualidades" na verdade é apenas mais do mesmo comportamento já esperado pelo grupo e aquilo que realmente nos distingue é mantido protegido do olho alheio.

24 de out. de 2012

Compare-se!


A sociedade em que todos são total e mutuamente comparáveis não pode ser, por definição, isenta de inveja e ressentimento entre seus indivíduos.

O que preserva as democracias modernas da anarquia do ressentimento não é a igualdade de fato mas a existência de instituições e a herança ética de ideais culturais e religiosos.
Estes, por sua vez, habilitam um número razoável de cidadãos a reconhecerem limitações nas comparações entre eles, na forma de submissão a princípios maiores, e assim assegurar alguma paz social.

É apenas porque muitos de nós estamos de fato aceitando que há um destino pessoal, antes de pensar num destino coletivo, é que temos relativamente menos dinâmicas de pre-revoluções do que seria esperado somente do conceito de igualdade.


17 de out. de 2012

Gutenberg

Antes do livro, ou antes de Gutenberg -- estávamos na época da oralidade, de onde vieram obras como a Odisséia de Homero -- um poema gigantesco que não foi originalmente escrito, mas composto no séc. 8aC. sobre eventos que podem ter ocorrido no séc. 12aC. e transmitido pela repetição oral por séculos.

Sem uma plataforma industrial para registro das composições os autores tinham que confiar na repetição oral, na recriação coletiva da obra, nos métodos tradicionais, contextuais e instáveis de performance para garantir a sobrevivência de sua história. Este é o espaço anterior ao parêntesis de Gutenberg, chamado de performance na imagem acima.

A plataforma de Gutenberg leva a obra da performance para composição. Este novo espaço, no qual vivemos nos últimos 500 longos anos, preza pelo original e pelo direito autoral, pelo individual, pela estabilidade da obra. Mesmo interpretado, o texto [dentro do parêntesis de Gutenberg] reina indisputado, autônomo. A cópia, aqui, é crime; o plágio, inaceitável. O autor e sua obra reinam, perenes, sobre a plataforma de Gutenberg.

Depois do parêntesis de Gutenberg, tempo que estamos vivendo agora, os novos modos de tratar, receber, perceber e promover informação desarranjam o espaço canônico da composição e nos levam a processos de cópia+mistura+cola [ourip+mix+burn] oferecendo novas e gigantescas possibilidades e, ao mesmo tempo, pondo em risco todo um arranjo cultural, de negócio e poder centrado no autor e sua obra.

A tese de Thomas Pettitt do MIT, quase de uma volta à oralidade ou à performance, diz que estamos saindo do parêntesis para um um espaço onde tomar material emprestado, recombiná-lo, às vezes com material próprio, talvez numa nova forma, é a nova norma. (como feito aqui, adaptando um texto originalmente de autoria de Silvio Meira)

A tecnologia em rede está desconstruindo aspectos do livro, como permanência e estabilidade. O texto vai continuar mas vai ficar mais livre à medida em que fica móvel. Desta maneira, estaremos reproduzindo a fluidez da palavra falada nos textos modernos.

7 de out. de 2012

Graças a Deus e não a mais ninguém

As culturas precisam dar uma explicação para seus membros sobre os diferentes destinos de cada um. "Muitos dos que se envolveram em grandes campanhas perderam suas vidas, alguns retornaram repletos de riquezas e outros com nada além de cicatrizes".
Desta forma, o destino acaba sendo visto como uma parte de um todo com a qual cada um é atribuído.
A vida está repleta de eventos inesperados e assim como a pessoa aprende que cabe a ela uma porção da comida disponível, também aprende que cabe a ela uma porção dos eventos que ocorrem, sejam eles bons ou ruins.
A distribuição de porções é governada por alguma ordem: se alguém pega mais do que lhe é devido, algum castigo há de lhe ocorrer. E isso é mais facilmente aceito se esse distribuidor é visto como uma potência irrevogável, como numa monarquia ou num sistema de Deuses que não se personificam e que se traduzem para nós como uma loteria.
"Graças a Deus" é uma expressão que traduz a nossa preferência por benefícios que pouco provavelmente serão cobrados de nós futuramente, como seria mais provável se esses benefícios estivessem sendo controlados por uma personificação contábil que tentasse equalizar créditos e débitos.