
O eixo da estratégia de vida pós-moderna não é fazer a identidade deter-se - mas evitar que se fixe.
Turistas que valem o que comem são os mestres supremos da arte de misturar os sólidos e desprender o fixo. Antes e acima de tudo, eles realizam a façanha de não pertencer ao lugar que podem estar visitando: é deles o milagre de estar dentro e fora do lugar ao mesmo tempo.
Os turistas iniciam suas viagens por escolha - ou, pelo menos, assim eles pensam. Eles partem porque acham o lar maçante ou não suficientemente atrativo, demasiadamente familiar e contendo demasiadamente poucas surpresas, ou porque esperam encontrar em outro lugar uma aventura mais excitante e sensações mais intensas do que a rotina doméstica jamais é capaz de transmitir.
A decisão de abandonar o lar com o fim de explorar terras estranhas é positivamente a mais fácil de tomar pela confortadora percepção de que sempre se pode voltar, se for preciso. Os incômodos dos quartos de hotel podem, de fato, provocar nostalgia, assim como consola e recompensa recordar que há uma casa - em algum lugar - um refúgio do tumulto e em que a pessoa pode abrigar-se. O momento em que a porta é trancada do lado de fora, o lar se toma um sonho. O momento em que a porta é trancada do lado de dentro, ele se converte em prisão. O turista adquiriu o gosto pelos espaços mais vastos e, acima de tudo, completamente abertos.
Mas nem todos os viajantes estão em movimento por preferirem estar em movimento a ficar em seu lugar. Para eles, estar livre significa não ter de viajar de um lado para o outro. Ter um lar e ser permitido ficar dentro dele. São esses os vagabundos, luas escuras que refletem o brilho de sóis brilhantes, os mutantes da evolução pós-moderna, os refugos inaptos da brava espécie nova. Os vagabundos são os restos do mundo que se dedicaram aos serviços dos turistas. Os turistas viajam porque querem; os vagabundos, porque não têm nenhuma outra escolha.
Turistas e vagabundos são as metáforas da vida contemporânea. Uma pessoa pode ser (e freqüentemente o é) um turista ou um vagabundo sem jamais viajar fisicamente para longe.
Estamos todos - de uma forma ou de outra, no corpo ou no espírito, aqui e agora ou no futuro antecipado, de bom ou de mau grado - em movimento; nenhum de nós pode estar certo de que adquiriu o direito a algum lugar uma vez por todas, e ninguém acha que sua permanência num lugar, para sempre, é uma perspectiva provável. Onde quer que nos aconteça parar estamos, pelo menos, parcialmente deslocados ou fora do lugar.
A oposição entre os turistas e os vagabundos é a maior, a principal divisão da sociedade pós-moderna. Estamos todos traçados num contínuo estendido entre os pólos do "turista perfeito" e o "vagabundo incurável" - e os nossos respectivos lugares entre os pólos são traçados segundo o grau de liberdade que possuímos para escolher nossos itinerários de vida.
A liberdade de escolha, é de longe, na sociedade pós-moderna, o mais essencial entre os fatores de estratificação. Quanto mais liberdade de escolha se tem, mais alta a posição alcançada na hierarquia social pós-moderna. As diferenças sociais pós-modernas são feitas com a amplitude e estreiteza da extensão de opções realistas.
Mas o vagabundo é o alter ego do turista - exatamente como o miserável é o alter ego do rico, o selvagem o alter ego do civilizado, ou o estrangeiro o alter ego do nativo. Ser um alter ego significa servir como um depósito de entulho dentro do qual todas as premonições inefáveis, os medos inexpressos, as culpas e autocensuras secretas, demasiadamente terríveis para serem lembrados, se despejam; ser um alter ego significa servir como pública exposição do mais íntimo privado, como um demônio interior a ser publicamente exorcizado, uma efígie em que tudo o que não pode ser suprimido pode ser queimado. O alter ego é o escuro e sinistro fundo contra o qual o eu purificado pode brilhar.
Pode-se viver com as ambigüidades da incerteza que saturam a vida do turista só porque as certezas da vagabundagem são tão inequivocamente asquerosas e repugnantes. O turista precisa de uma alternativa cuja contemplação é pavorosa demais para se manter repetindo, nas horas de tensão, que "não há nenhuma alternativa".
Os vagabundos, as vítimas do mundo que transformou os turistas em seus heróis, têm, afinal, suas utilidades. Como os sociólogos gostam de dizer, eles são "funcionais". É difícil viver em suas imediações, mas inconcebível viver sem eles.
É a sua evidente infelicidade que inspira os outros a agradecerem a Deus, diariamente, por tê-los feito turistas.