24 de mai. de 2009

Pureza


A pureza é uma visão das coisas colocadas em lugares diferentes dos que elas ocupariam, se não fossem levadas a se mudar para outro – e é uma visão da ordem, em que cada coisa acha-se em seu justo lugar e em nenhum outro. O oposto da pureza, o sujo e imundo, são as coisas fora do lugar.

Não são as características intrínsecas das coisas que as transformam em sujas, mas tão somente sua localização em relação à ordem de coisas idealizada pelos que procuram a pureza. Um omelete maravilhoso num prato de jantar torna-se outra coisa se despejado sobre um travesseiro. Um prato aceitavelmente limpo enquanto se come torna-se repentinamente sujo quando terminamos a refeição.

Por muito tempo, o trabalho de purificação foi concebido como uma tarefa constante de ordenação, de manutenção do quadro, sob a premissa de ordem e progresso. Mas a pós-modernidade trouxe um deslocamento do quadro de pureza: agora a pureza significa mudar a maneira como as coisas se realizam, criar uma nova ordem que anuncia anormalidades o tempo todo. Os estranhos já não são mais a rotina de outrora, e uma angústia que se condensou no medo do estranho variável impregna a totalidade da vida diária.

Em nosso mundo, o mais severo teste de pureza é mostrar a capacidade de ser seduzido pelas infinitas possibilidades de constante renovação promovida pelo mercado consumidor, de vestir e despir identidades, de passar a vida na caça interminável de cada vez mais sensações e experiências. Nem todos passam por essa prova. Aqueles que não podem são a sujeira da pureza pós-moderna: são os consumidores falhos, incapazes de serem livres conforme o senso de liberdade definido pelo poder de escolha do consumidor. São o refugo do sistema que precisa ser mantido à distância, separados por muros em nome da lei e da ordem – que entretanto se abstém de intervenção na liberdade de consumidor.

Assim como os revolucionários eram impurezas da versão moderna da ordem, embora fossem na realidade seus mais ardorosos fãs, ao estenderem o esforço de colocar em ordem além da fronteira do que o mecanismo de colocar em ordem do Estado poderia permitir, a pós-modernidade também produz suas impurezas que no fundo são fãs ardorosos da mensagem pós moderna de liberdade de escolha: são os gatunos, furtadores de carros e seus alter-egos terroristas e grupos de punição sumária, todos representantes da revelação pós-moderna do descompromisso e livre competição.

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