24 de mai. de 2008

Enobrecimento pela degeneração

A história ensina que a estirpe que num povo se conserva melhor é aquela em que a maioria dos homens tem um vivo senso da comunidade, em conseqüência da identidade de seus princípios habituais e indiscutíveis, ou seja, devido a sua crença comum.

Ali se reforçam os costumes bons e valorosos, ali se aprende a subordinação do indivíduo, e a firmeza de caráter é primeiro dada e depois cultivada.

O perigo dessas comunidades fortes, baseadas em indivíduos semelhantes e cheios de caráter, é o embotamento intensificado aos poucos pela hereditariedade, que segue toda estabilidade como uma sombra.

Em tais comunidades, é dos indivíduos mais independentes, mais inseguros e moralmente fracos que depende o progresso espiritual: são aqueles que experimentam o novo e sobretudo o diverso.

Inúmeros seres desse tipo sucumbem à própria fraqueza, sem produzir efeito visível, mas em geral, sobretudo se têm descendência, afrouxam e de quando em quando golpeiam o elemento estável de uma comunidade. Justamente nesse ponto ferido e enfraquecido é como que inoculado algo novo no organismo inteiro; mas a sua força tem de ser, no conjunto, grande o suficiente para acolher no sangue esse algo novo e assimilá-lo.

As “naturezas degenerativas” são sempre de elevada importância, quando deve ocorrer um progresso. Em geral, todo progresso tem que ser precedido de um debilitamento parcial. As naturezas mais fortes conservam o tipo, as mais fracas ajudam a desenvolvê-lo. Algo semelhante acontece no indivíduo; raramente uma degeneração, uma mutilação ou mesmo um vício, em suma, uma perda física ou moral, não tem por outro lado uma vantagem. O homem doentio, por exemplo, numa estirpe guerreira e inquieta, poderá ter mais ocasião de estar só e assim se tornar mais tranqüilo e sábio, o caolho enxergará mais agudamente, o cego olhará para o interior mais profundamente, e em todo caso ouvirá com mais apuro.

Neste sentido me parece que a famosa luta pela sobrevivência não é o único ponto de vista a partir do qual se pode explicar o progresso ou o fortalecimento de um homem, uma raça. Para isso devem antes concorrer duas coisas: primeiro, o aumento da força estável, pela união dos espíritos na crença e no sentimento comunitário; depois a possibilidade de alcançar objetivos mais elevados, por surgirem naturezas degenerativas e, devido a elas, enfraquecimentos e lesões parciais da força estável; justamente a natureza mais fraca, sendo a mais delicada e mais livre, torna possível todo progresso.

Um povo que em algum ponto se torna quebrantado e enfraquecido, mas que no todo é ainda forte e saudável, pode receber a infecção do novo e incorporá-la como beneficio. No caso do indivíduo, a tarefa da educação é a seguinte: torná-lo tão firme e seguro que, como um todo, ele já não possa ser desviado de sua rota. Mas então o educador deve causar-lhe ferimentos, ou utilizar os que lhe produz o destino, e, quando a dor e a necessidade tiverem assim aparecido, então algo de novo e nobre poderá ser inoculado nos pontos feridos.

Toda a sua natureza o acolherá em si mesma e depois, nos seus frutos, fará ver o enobrecimento.

Quanto ao Estado, diz Maquiavel que "a forma de governo é de importância bem pequena, embora gente semi-educada pense o contrário. O grande objetivo da política deveria ser a duração, que sobreleva todo o resto, por ser bem mais valiosa que a liberdade". Apenas com a máxima duração, firmemente assentada e garantida, é possível desenvolvimento constante e inoculação enobrecedora. Sem dúvida isso encontrará normalmente a oposição da perigosa companheira de toda duração, a autoridade. (Humano demasiado humano)

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