29 de mar. de 2008

Vaidade


Coerência é a manifestação suprema da vaidade num ser livre. A questão da vaidade é um assunto importantíssimo e fascinante, pois implica numa espécie de adoração por nós mesmos. Ao buscar chamar a atenção com o uso de um relógio novo ou um novo penteado, o que se busca na verdade é um prazer erótico, efêmero, associado aos olhares e comentários dos outros, não necessariamente pessoas conhecidas ou com quem temos relacionamento íntimo.

A vaidade pode ser a raiz da tendência à aglutinação das pessoas, do desejo de sair para lugares públicos para dançar, jantar, ver e ser visto. As pessoas não seriam tão fascinadas pelo carro do ano se isso não desse a elas o status de ser portadora de um objeto que lhe dará o destaque necessário para alimentar o prazer erótico da vaidade.

Convém notar que o prazer da vaidade não está ligado somente a objetos materiais e aos cuidados com o corpo através do uso de cosméticos e cirurgias plásticas. Está também nos feitos relacionados à razão e ao culto ao conhecimento. Até mesmo uma intenção de mostrar-se livre da vã vaidade pode ser encarado como uma demonstração de vaidade ainda maior, ao tentar colocar-se como superior ou sobre-humano.

Somos todos vaidosos, disto não resta dúvida. Mas a questão importante é sabermos se uma determinada ação está sendo levada adiante somente por vaidade, ou se há outras motivações mais nobres ligadas a metas pessoais. Se apenas a vaidade estiver em jogo, ficamos totalmente dependentes da avaliação dos outros e dos sentimentos de prazer e inveja decorrentes. O prazer logo termina, pedindo mais demonstrações de superioridade. A inveja que acompanha estas demonstrações só aumenta e faz prejudicar as relações entre todos.

Desta forma, torna-se essencial que as nossas decisões sejam governadas pela consciência do que somos e queremos, e não somente pelo que outros podem querer de nós. A pessoa livre mostra-se madura ao ser coerente e consistente, com poucas discrepâncias entre sua palavra e sua conduta. Sabe-se vaidoso, mas exercita sua vaidade ao expressar-se de maneira genuína, com pontos de vista compatíveis com a forma como gosta de viver. Sabe que não pode disassociar-se do sistema social, de forma que suporta as regras gerais de conduta. Mas nunca deixa-se corromper por ornamentos que nada tenham a ver com a sua real subjetividade.

16 de mar. de 2008

Seleção e comportamento


Quanto do comportamento humano é determinado por outros mecanismos além da escolha intencional? Quanto do comportamento pode ser melhor explicado pelas restrições e oportunidades do que pelos desejos do agente? Será que conseguimos explicar melhor a vida assumindo que há um leque de variações gerando opções de ação que serão selecionados por meios racionais e não-racionais?

Para pensar nesse assunto, comecemos por assumir que tanto a seleção como a variação do comportamento a ser selecionado podem ser intencionais ou não-intencionais. Vamos estudar as possíveis combinações.

Primeiro caso: Variação e seleção não-intencionais
A seleção natural obviamente modelou a estrutura física do ser humano, através da seleção de variações não-intencionais. Mas explicar o comportamento através do mecanismo de seleção natural é ir além disso. É propor que a evolução produziu emoções com suas respectivas tendências de ação. Um bom exemplo é que o homem nunca pode estar certo sobre a paternidade, enquanto que a mulher certamente sabe que ela é a mãe dos seus filhos. Por causa disso, pode-se esperar um homem mais ciumento que a mulher, como de fato é provado pelo maior número relativo de homicídios cometidos por homens por causa de ciúmes. A seleção natural também pode favorecer a ausência de emoção. Os perigos de uma relação sexual entre parentes diretos é mantida sob controle pela falta de atração entre jovens que crescem juntos, independente de serem cosanguíneos ou não.

Segundo caso: Variação e seleção intencional
Este mecanismo parece menos importante para explicar o comportamento. Ele é tipicamente usado com plantas, onde variações são intencionalmente provocadas com resultados intencionalmente selecionados.

Terceiro caso: Variação não-intencional e seleção intencional
Há muitos casos de novos organismos ou mecanismos surgindo por acidente e sendo então aceitos ou rejeitados com base numa escolha racional. Onde a seleção natural tende a produzir um igual número de homens e mulheres, o infanticídio ou aborto de crianças do sexo feminino na China causa um déficit de mulheres que adultera esse equilíbrio. Outro exemplo interessante ocorre nos trabalhos artesanais e nas artes cênicas: um ator de teatro, ao ser imperfeito e interpretar seu papel diferentemente a cada espetáculo, abre caminho para variações que podem ser depois conscientemente selecionadas levando ao aprimoramento da peça. Esses “erros de replicação” aleatórios são a base da teoria da evolução, cabendo analisar em cada caso a origem dessas variações. Embora Darwin tenha confessado desconhecer a origem das variações, hoje sabemos que são, de fato, erros de replicação genética que possibilitam variações úteis nas espécies. Uma replicação perfeita negaria este caminho de evolução.

Quarto caso: Variação intencional e seleção não-intencional
A economia de mercado compartilha algumas características com o processo de seleção natural. Com a premissa de que a racionalidade humana é cheia de limitações, firmas e seus gerentes são ineficientes no sentido de que são falhos em tomar decisões de produção e comercialização que vão com certeza maximizar os lucros. Entretanto, mecanismos de mercado vão eliminar as firmas ineficientes, de forma que num dado momento as firmas presentes serão percebidas como eficientes, como se a causa fosse a existência de gerentes eficientes. Não foi isso. Na verdade, tiveram sorte de praticar estratégias que foram selecionadas.
Numa versão mais simples, firmas estão constantemente tentando aumentar seus lucros através de processo de imitação ou inovação. Embora a simples imitação não gere novas entradas para seleção, a imitação imperfeita pode fazer isso. Inovação também é, por definição, fonte de variação. Então, através desses mecanismos técnicas mais eficientes vão se espalhar até que um máximo local seja atingido.
Outra versão menos nobre, mas bastante comum é a tradução do ditado “se está funcionando, não mexa”, ou “o melhor dos monopólios é aquele que trás vida tranquila”. Nestes casos, admite-se que as firmas buscam níveis satisfatórios de lucros, e não necessariamente os máximos lucros. Desta forma, o que as leva a agir é a queda de lucros abaixo do satisfatório, seja por mudanças de mercado ou ferrugem na organização. Estando combalida, é menos provável que a firma tenha fôlego para investir em inovação e resta-lhe então o processo de tentar imitar quem está se dando bem, com maior ou menor direção. Fatalmente algumas vão se recuperar, parando de buscar ao voltar ao nível satisfatório de lucro, e outras vão falir.

Estas questões tornam-se ainda mais relevantes se levarmos em conta que a seleção natural pressupõe um ambiente relativamente estável. Mas, o ambiente empresarial muda muito rapidamente, de forma que antecipar mudanças passa a ser muito crítico nestes casos. A menos que a empresa seja grande o bastante para modelar as mudanças.

9 de mar. de 2008

Confiança




O egoísmo é a ferrugem da sociedade. E a confiança é seu lubrificante. A vida seria extremamente difícil se não pudéssemos confiar, dentro de limites, sobre outros fazendo o que eles dizem que farão. Mas a desconfiança por vezes existe na forma de abstenção de relacionamento ou na imposição de precauções contra incompetência ou oportunismo de terceiros.

Há, de fato, um número de razões pelas quais as pessoas deixam de tomar precauções:
- às vezes, o custo da precaução não vale a pena. Se tomar uma segunda opinião sobre o conserto do meu carro me obriga a viajar 50Km de taxi até encontrar outro mecânico, provavelmente não o farei.
- O ato de tomar precaução poderia passar informação relevante para oportunistas: tentar esconder freneticamente algo de valor pode acabar trazendo os vigaristas para si.
- A idéia de tomar precauções pode ser incompatível emocionalmente para os envolvidos. Tomar uma nota promissória para um empréstimo para sua mãe, em geral, não será bem visto.
- Posso ter um histórico com a outra pessoa que dispensa maiores precauções.
- Posso tentar induzir confiança mostrando que confio.

Pessoas são percebidas como confiáveis por várias razões. Vamos investigar quatro delas: comportamento passado, incentivos, convenções e sinais.
- comportamento passado diz respeito a manter promessas, não mentir, cuidar bem da propriedade alheia etc. Esse tipo de confiança requer tempo e pode ser transferida entre pessoas confiáveis entre si;
- incentivos tem a ver com mecanismos criados para favorecer o desenvolvimento da confiança. Pode ser desde um amparo legal para os acordos até premiações por honestidade.
- convenções tem a ver com aspectos das situações que implicam em confiança, dado o histórico, cultura e ambiente social. Por exemplo, taxistas percebem as mulheres, os idosos e os jovens como menos perigosos.
- sinais tem a ver com dinâmica do relacionamento, onde determinados comportamentos podem induzir confiança, ou não, Por exemplo, olhar diretamente para a base do nariz do interlocutor em geral desperta confiança.

Pessoas podem ainda confiar, ou não, em instituições públicas e privadas. A extensão da confiança num tribunal ou num banco depende de histórico, mas não há muitas medidas de precaução aqui: a única alternativa é manter-se distante deles, se não há confiança. Mesmo assim, determinadas situações implicam que tenhamos confiança em coisas e situações completamente novas. Nessas situações, analisar os incentivos das partes pode ser o melhor caminho para antecipar as traições.

2 de mar. de 2008

Consequências não-intencionais

As coisas nem sempre saem como desejamos que saiam. Muitos eventos ocorrem não-intencionalmente. A História é o resultado da ação humana, não do desígnio humano. Adam Smith referiu-se a uma mão invisível que molda os assuntos humanos. Marx falou sobre a alienação das pessoas em relação à própria ação. Por um lado há a idéia de ações individuais interferindo uma com a outra para produzir um resultado. Por outro lado pode haver um ajustamento mútuo permitindo que todos os planos sejam desenvolvidos sem distorção.

Como a ação pode interferir nos desejos e oportunidades de alguém, alguns fenômenos interessantes ocorrem. Quem é levado pelo desejo imediato de uma oferta pode acabar trocando de objeto sucessivas vezes, e embora em cada uma delas pareça estar fazendo um bom negócio, ao longo do tempo pode-se acabar pior do que quando se começou. Isso é típico de quem troca muito de carro. O primeiro gole pode aumentar o desejo de outros goles e também diminuir a minha saúde e as oportunidades de derivar prazer de outras atividades que exijam ter equilíbrio, por exemplo.



Pensando em consequências não intencionais num grupo, todos podem ser levados a fazer algo que deixa todos em pior ou melhor situação do que quando se começou. Se para ver o palco alguns se levantam, então todos têm que se levantar para ver e todos acabam pior. Se um mercado aquecido e com bons preços faz com que todos produzam em excesso, logo todos acabam pior. No outro extremo, uma firma que introduz uma nova tecnologia motivada por seus lucros maiores acaba beneficiando a todos com produtos melhores e mais baratos.

Às vezes, o efeito individual de cada externalidade soma-se ao de outras ocorrências, com um efeito devastador. Na China tradicional, muitas famílias pobres praticavam o infanticídio de meninas. O resultado foi um excesso de meninos e um número substancial de jovens solteiros para serem recrutados pelo banditismo. As vítimas dos bandidos eram principalmente as pessoas prósperas, que não praticavam o infanticídio. A exploração dos ricos sobre os pobres gerou um contra peso à exploração.

Um enigma que surge nesse ponto é se consequências não-intencionais que apareçam repetidas vezes podem modelar o comportamento, seja por seleção, seja por reforço.
Uma criança que chora por sorvete e acaba ganhando a atenção dos pais, pode voltar a fazer isso por mais sorvete e fica satisfeita com a atenção. Uma dança da chuva dos primitivos pode não trazer chuva, mas trás coesão e solidariedade. Embora possa se pensar que o conflito é ruim para uma organização, a alternativa de não tê-lo pode ser pior, se a tensão acumular-se até que toda a máquina exploda. Então a função do conflito pode ser manter a organização em boa forma, e essa consequência não-intencional pode ser a razão de conflitos serem perenes entre nós, ao invés de uma racionalidade qualquer.