29 de dez. de 2007

Entre Culturas


Condutas são diferentes, por muitas razões. Cada região do mundo, cada país, cada comunidade. Heranças diferentes, ambientes diferentes. Alguns, ao saírem do seu próprio ambiente, acabam por perceber melhor a intensidade e a importância dessas diferenças. Não as diferenças que aprendemos pela televisão, que nos parecem plásticas e distantes, mas as diferenças que sentimos como um machado a rachar a nossa bem cuidada lenha.

A orientação inglesa nos trás o pragmatismo e o empirismo. O francês nos vem com a sua lógica e capacidade dedutiva. E o espanhol com sua paixão desvinculada do utilitarismo (pense numa tourada...). Essas diferentes orientações junto com tantas outras coisas moldaram mundos dentro de outros mundos.

Tomemos o Brasil, por exemplo. Colonizados pelos Ibéricos, herdamos o tripé que os construiu: latifúndios + monarquia + controle religioso. O projeto de colonização aqui baseou-se em manter os estrangeiros do lado de fora, usar a cana-de-açúcar com mão-de-obra barata escrava para gerar riqueza para o império e ficando restrito inicialmente ao litoral atrasou a descoberta do interior, cujas escarpas só foram vencidas pela ganância ao ouro mineiro. Enquanto a conquista da maioria do oeste americano de fez pela saudável fixação do pequeno proprietário na terra (antes da corrida do ouro...), por aqui enfatizou-se o lado pernicioso da ocupação por interesse econômico imediato via latifúndios e concentração corruptora de poder. Em seguida, o café continuou a nos prender ao extrativismo, atrasando a industrialização até a depressão de ’29, quando iniciamos tardiamente uma política de substituição de importações.

Diferentemente, o inglês baseou sua colonização da América através do desenvolvimento de um mercado consumidor, baseado no trabalho duro e num princípio de individualismo que remete à igualdade entre pares, absorvendo desafios e enobrecendo o questionamento. Embora controverso, o protestantismo calvinista parece ter sido um fator favorável ao capitalismo americano, ao propor que o trabalho e o enriquecimento são apreciados por Deus.

Por aqui já se vê uma diferença notável: enquanto o americano expressa sua opinião de volta para o seu chefe, por aqui isso pode ser tomado como insulto e logo o desafio é levado para a defesa da “honra”. É o lado espinhoso do latino, que aprecia mais a pompa e o discurso, menos os fatos e a substância.

Pensemos agora em como o individualismo se manifesta no latino: é através, não do real direito à igualdade, mas da aceitação da singularidade do indivíduo e da defesa da dignidade e do amor próprio. Isso está na raiz da aceitação das diferenças e da viabilização da distribuição desigual do poder. Um dia ouvi o ex-presidente F.H.C dizer, tristemente, que estava numa fila de cinema e alguém disse: “ ... pode passar na frente Sr. Presidente.”. Ele retrucou que o faria se houvesse uma fila especial para velhos, mas que não merecia isso por ser ex-presidente. Não foi uma demonstração de vaidade dele, mas um exemplo de como o povo brasileiro parece aceitar e gosta de assumir uma posição submissa, mesmo não aceitando isso abertamente.

E as celebrações, tão comuns entre os latinos, acabam mesmo sendo uma forma de personalizar as relações, de conseguir reciprocidade de gestos e com isso estabelecer um respeito mútuo da individualidade de cada um, pautada pela singularidade. Qualquer bom vendedor aqui sabe que seu cliente quer sentir-se único!

Isso é importante para construir elos, num povo que tem extensão de confiança estreita entre estranhos. Haja vista a grande quantidade de empresas familiares que existem não só aqui, mas também na China, Itália, França e Espanha – todos locais com extensões pequenas de confiança. Nos locais onde essa extensão é maior, seja por características culturais, seja por um aparato jurídico mais eficaz, temos a presença mais marcante de grandes organizações, como nos EUA, Alemanha e Japão. Por lá, as metas são naturalmente mais ligadas à produção, enquanto que aqui estamos mais preocupados com a família, amigos e música.

Outras características ibéricas foram trazidas para cá, e estão presentes em nossa sociedade até hoje, tais como o autoritarismo, a estratificação das classes, o elitismo e o rebanho acolhido pelo seu líder. É bem verdade que isso garante uma sociedade mais coesa, onde o papel do indivíduo é servir o grupo, regido por alguma lei divina. Aqui o papel do governante, é antes de mais nada, assegurar a harmonia do todo orgânico.

A separação de poderes, a fiscalização e trabalhar para um “saldo final do balanço” definitivamente não são características ibéricas. Se por um lado essa harmonia e organicidade nos dá uma sensação curativa de pertencer a algo, por outro lado o individualismo americano curva-se ao conflito e a alienação. Não é de se surpreender que os maiores índices de suicídio nos EUA sejam de ibéricos que migram para lá e não conseguem encontrar esse senso de pertencer, a menos de comunidades latinas que por lá sempre se estabelecem.

Então, se o ibérico fez de nós mais hábeis com a palavra e o discurso dedutivo, o inglês fez do norte americano um povo mais empirista e indutivo. Nós apreciamos as acrobacias verbais, eles mais o puro trabalho, a iniciativa individual, o resultado e a sobrevivência do mais apto.

Com isso, a empresa é pensada, na mente do ibérico, como algo cujo propósito é dar segurança e sensação de pertencer. Eficiência não é fundamental, solidariedade e lealdade, sim. Essa essência, ajusta-se naturalmente com o tempo e com a influência norte americana por aqui. Escolas de administração só existem baseadas em conceitos norte americanos de fazer as coisas. Tentam nos ensinar o jeito deles de fazer as coisa, mas muito do jeito de ser dos ibéricos ainda está presente em nós. Talvez isso responda a pergunta dos colegas graduados num MBA:

" ... mas por quê o que a gente aprende na escola, não dá prá usar quase nada por aqui ? ".

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