23 de dez. de 2007

Agora te peguei, seu F.D.P.


Grandes brigas por pequenas causas. Motoristas furiosos, dentro de suas carapaças de aço, desafiando outros a uma boa briga por causas banais. Brigas severas em vários lugares por causa de filas corrompidas, encontrões fortuitos, troco errado.

Por trás dessas brigas muitas vezes está agindo um mecanismo sinistro: a vontade de que o outro fique à sua mercê, mais do que vencer a causa. Nesse jogo, medem-se as potencialidades de cada um, e sempre alguém faz uma jogada provocadora primeiro. O segundo, então, sente-se plenamente justificado em dar vazão a todo o seu ódio, ao invés de se limitar a negociar uma solução digna para o conflito. O que na superfície parece uma transação legítima sobre direitos e deveres, na verdade possibilita que se explore uma objeção sem importância, mas perfeitamente defensável, para liberar uma raiva antiga de muitos anos.

Vamos exemplificar: um encanador fecha um orçamento com o cliente, mas após terminar o serviço o provoca com um adicional não previsto. O cliente fica furioso, exige com razão que se cumpra o orçamento, embora o adicional seja de pequeno valor. Na discussão, o cliente rapidamente passa da negociação para a ofensa, criticando a filosofia de vida do encanador e sua honestidade. Depois da discussão, o cliente vence e o orçamento cumpre-se. Ele pensa: “Ah... te peguei seu F.D.P. ...”.

Depois, o cliente reconhece, secretamente, o quanto se deleitou com a provocação do encanador: recorda-se que desde a infância, sempre procurou encontrar situações semelhantes, recebendo-as com prazer e explorando-as com igual vigor. Em muitos casos, refletiu que já tinha se esquecido sobre o motivo da provocação, mas ainda se lembrava da batalha que se seguiu.
O encanador, por sua vez, pode sentir-se recompensado ao comentar com seus amigos que mais uma vez tomou prejuízo por causa de um cliente intransigente. Mas ele estabelece sua importância frente ao seu grupo como alguém que sempre está suportando alguma desgraça ou injustiça. No final os dois se recompensam e seguem repetindo o mesmo jogo por toda a vida, com parceiros diferentes.

Variações desse jogo de “Agora te Peguei, seu F.D.P.”, ocorrem sutilmente entre marido e mulher. É só observar prá ver. A esposa de um casal desses deve ser tratada com reserva, e mesmo galanteios mais inofensivos dirigidos a ela devem ser evitados, especialmente se for o próprio marido quem os encoraje...
Muitos programas jornalísticos atuais de televisão, baseados em indignação contra tudo e contra todos, também se valem desse jogo.

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