
Condutas são diferentes, por muitas razões. Cada região do mundo, cada país, cada comunidade. Heranças diferentes, ambientes diferentes. Alguns, ao saírem do seu próprio ambiente, acabam por perceber melhor a intensidade e a importância dessas diferenças. Não as diferenças que aprendemos pela televisão, que nos parecem plásticas e distantes, mas as diferenças que sentimos como um machado a rachar a nossa bem cuidada lenha.
A orientação inglesa nos trás o pragmatismo e o empirismo. O francês nos vem com a sua lógica e capacidade dedutiva. E o espanhol com sua paixão desvinculada do utilitarismo (pense numa tourada...). Essas diferentes orientações junto com tantas outras coisas moldaram mundos dentro de outros mundos.
Tomemos o Brasil, por exemplo. Colonizados pelos Ibéricos, herdamos o tripé que os construiu: latifúndios + monarquia + controle religioso. O projeto de colonização aqui baseou-se em manter os estrangeiros do lado de fora, usar a cana-de-açúcar com mão-de-obra barata escrava para gerar riqueza para o império e ficando restrito inicialmente ao litoral atrasou a descoberta do interior, cujas escarpas só foram vencidas pela ganância ao ouro mineiro. Enquanto a conquista da maioria do oeste americano de fez pela saudável fixação do pequeno proprietário na terra (antes da corrida do ouro...), por aqui enfatizou-se o lado pernicioso da ocupação por interesse econômico imediato via latifúndios e concentração corruptora de poder. Em seguida, o café continuou a nos prender ao extrativismo, atrasando a industrialização até a depressão de ’29, quando iniciamos tardiamente uma política de substituição de importações.
Diferentemente, o inglês baseou sua colonização da América através do desenvolvimento de um mercado consumidor, baseado no trabalho duro e num princípio de individualismo que remete à igualdade entre pares, absorvendo desafios e enobrecendo o questionamento. Embora controverso, o protestantismo calvinista parece ter sido um fator favorável ao capitalismo americano, ao propor que o trabalho e o enriquecimento são apreciados por Deus.
Por aqui já se vê uma diferença notável: enquanto o americano expressa sua opinião de volta para o seu chefe, por aqui isso pode ser tomado como insulto e logo o desafio é levado para a defesa da “honra”. É o lado espinhoso do latino, que aprecia mais a pompa e o discurso, menos os fatos e a substância.
Pensemos agora em como o individualismo se manifesta no latino: é através, não do real direito à igualdade, mas da aceitação da singularidade do indivíduo e da defesa da dignidade e do amor próprio. Isso está na raiz da aceitação das diferenças e da viabilização da distribuição desigual do poder. Um dia ouvi o ex-presidente F.H.C dizer, tristemente, que estava numa fila de cinema e alguém disse: “ ... pode passar na frente Sr. Presidente.”. Ele retrucou que o faria se houvesse uma fila especial para velhos, mas que não merecia isso por ser ex-presidente. Não foi uma demonstração de vaidade dele, mas um exemplo de como o povo brasileiro parece aceitar e gosta de assumir uma posição submissa, mesmo não aceitando isso abertamente.
E as celebrações, tão comuns entre os latinos, acabam mesmo sendo uma forma de personalizar as relações, de conseguir reciprocidade de gestos e com isso estabelecer um respeito mútuo da individualidade de cada um, pautada pela singularidade. Qualquer bom vendedor aqui sabe que seu cliente quer sentir-se único!
Isso é importante para construir elos, num povo que tem extensão de confiança estreita entre estranhos. Haja vista a grande quantidade de empresas familiares que existem não só aqui, mas também na China, Itália, França e Espanha – todos locais com extensões pequenas de confiança. Nos locais onde essa extensão é maior, seja por características culturais, seja por um aparato jurídico mais eficaz, temos a presença mais marcante de grandes organizações, como nos EUA, Alemanha e Japão. Por lá, as metas são naturalmente mais ligadas à produção, enquanto que aqui estamos mais preocupados com a família, amigos e música.
Outras características ibéricas foram trazidas para cá, e estão presentes em nossa sociedade até hoje, tais como o autoritarismo, a estratificação das classes, o elitismo e o rebanho acolhido pelo seu líder. É bem verdade que isso garante uma sociedade mais coesa, onde o papel do indivíduo é servir o grupo, regido por alguma lei divina. Aqui o papel do governante, é antes de mais nada, assegurar a harmonia do todo orgânico.
A separação de poderes, a fiscalização e trabalhar para um “saldo final do balanço” definitivamente não são características ibéricas. Se por um lado essa harmonia e organicidade nos dá uma sensação curativa de pertencer a algo, por outro lado o individualismo americano curva-se ao conflito e a alienação. Não é de se surpreender que os maiores índices de suicídio nos EUA sejam de ibéricos que migram para lá e não conseguem encontrar esse senso de pertencer, a menos de comunidades latinas que por lá sempre se estabelecem.
Então, se o ibérico fez de nós mais hábeis com a palavra e o discurso dedutivo, o inglês fez do norte americano um povo mais empirista e indutivo. Nós apreciamos as acrobacias verbais, eles mais o puro trabalho, a iniciativa individual, o resultado e a sobrevivência do mais apto.
Com isso, a empresa é pensada, na mente do ibérico, como algo cujo propósito é dar segurança e sensação de pertencer. Eficiência não é fundamental, solidariedade e lealdade, sim. Essa essência, ajusta-se naturalmente com o tempo e com a influência norte americana por aqui. Escolas de administração só existem baseadas em conceitos norte americanos de fazer as coisas. Tentam nos ensinar o jeito deles de fazer as coisa, mas muito do jeito de ser dos ibéricos ainda está presente em nós. Talvez isso responda a pergunta dos colegas graduados num MBA:
" ... mas por quê o que a gente aprende na escola, não dá prá usar quase nada por aqui ? ".