
O devedor. Em muitos lugares ele tende a se tornar um plano para toda uma vida, exatamente como acontece nas selvas da África ou da Nova Guiné. Lá os parentes do rapaz compram-lhe uma noiva por um preço enorme, deixando-o em dívida para com eles por muitos e muitos anos. Aqui o mesmo costume prevalece, ao menos nas classes mais favorecidas, exceto pelo fato de que o preço da noiva se transforma no preço de uma casa, e se os parentes não tiverem condição, o papel do credor será desempenhado pelo banco.
Assim, tanto o rapaz da Nova Guiné, como o rapaz civilizado com um relógio de pulso novo em folha no braço sentem que têm um “propósito” na vida. A grande comemoração, a festa das núpcias ou a da inauguração da nova casa são realizadas quando a dívida é assumida e não quando é saldada! O que a TV e o cinema realçam, por exemplo, não é o homem de meia-idade que finalmente acabou de pagar a sua hipoteca, mas sim o jovem que se muda para uma casa nova com a família empunhando orgulhosamente a escritura que acabou de assinar e que o deixará comprometido durante a maior parte dos seus anos produtivos. Depois que ele tiver pago todas as dívidas - o apartamento, o carro, a casa de campo, o seguro, a hipoteca, as despesas da escola e da universidade para os filhos -- passará a ser encarado como um problema, um "cidadão idoso" para quem a sociedade deverá prover não apenas conforto material como também um novo "objetivo de vida", um novo propósito.
Imagine que no instante em que escrevo estas palavras, um besouro passe correndo pela mesa. Se eu o virasse de costas, poderia observar o tremendo esforço que ele faria para ficar novamente sobre os pés. Durante este intervalo, ele teria um "propósito" na vida. Se ele conseguisse ter êxito, quase que se poderia imaginar a expressão de vitória em seu rosto. Seguiria seu caminho, e facilmente se pode imaginar como contaria sua história na próxima reunião social a que comparecesse, admirado pela geração mais jovem como um inseto que conseguira subir na vida. E no entanto, misturado com seu orgulho, poderia ser encontrada uma boa dose de desapontamento. Agora que atingiu o topo, sua vida lhe parece vazia. Talvez até tente voltar ao local onde foi virado de costas, a fim de repetir seu triunfo. Um animal corajoso, o besouro. Não admira que tenha sobrevivido milhões de anos. E quanto a você, como andam as suas dívidas?
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