27 de nov. de 2007

O Devedor


O devedor. Em muitos lugares ele tende a se tornar um plano para toda uma vida, exatamen­te como acontece nas selvas da África ou da Nova Guiné. Lá os parentes do rapaz compram-lhe uma noiva por um preço enorme, deixando-o em dívida para com eles por muitos e muitos anos. Aqui o mesmo costume prevalece, ao menos nas classes mais favorecidas, exceto pelo fato de que o preço da noiva se transforma no preço de uma casa, e se os parentes não tiverem condição, o papel do credor será desempenhado pelo banco.

Assim, tanto o rapaz da Nova Guiné, como o rapaz civilizado com um relógio de pulso novo em folha no braço sentem que têm um “propósito” na vida. A grande comemoração, a festa das núpcias ou a da inauguração da nova casa são realizadas quando a dívida é assumida e não quando é saldada! O que a TV e o cinema realçam, por exemplo, não é o homem de meia-idade que finalmente aca­bou de pagar a sua hipoteca, mas sim o jovem que se muda para uma casa nova com a família empunhando orgulhosa­mente a escritura que acabou de assinar e que o deixará comprometido durante a maior parte dos seus anos produtivos. Depois que ele tiver pago todas as dívidas - o apartamento, o carro, a casa de campo, o seguro, a hipoteca, as despesas da escola e da universidade para os filhos -- passará a ser encarado como um problema, um "cidadão idoso" para quem a sociedade deverá prover não apenas conforto material como também um novo "objetivo de vida", um novo propósi­to.

Imagine que no instante em que escrevo estas palavras, um besouro passe correndo pela mesa. Se eu o virasse de costas, poderia observar o tremendo esforço que ele faria para ficar novamen­te sobre os pés. Durante este intervalo, ele teria um "propósi­to" na vida. Se ele conseguisse ter êxito, quase que se poderia imaginar a expressão de vitória em seu rosto. Seguiria seu caminho, e facilmente se pode imaginar como contaria sua história na próxima reunião social a que comparecesse, admi­rado pela geração mais jovem como um inseto que conseguira subir na vida. E no entanto, misturado com seu orgulho, pode­ria ser encontrada uma boa dose de desapontamento. Agora que atingiu o topo, sua vida lhe parece vazia. Talvez até tente voltar ao local onde foi virado de costas, a fim de repetir seu triunfo. Um animal corajoso, o besouro. Não admira que tenha sobrevivido milhões de anos. E quanto a você, como andam as suas dívidas?

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