27 de nov. de 2007

Consciência


Consciência aqui significa a capacidade de ver um bule de café e ouvir o canto dos pássaros de uma maneira própria, e não do modo como se foi obrigado. Pode-se presumir que as crianças vêem e ouvem diferentemente dos adultos, e que são mais estéticas e menos intelectualizadas em seus primeiros anos de vida. O garotinho vê e ouve os pássaros com deleite. Vem então o pai e muito naturalmente acha que deve ajudar seu filho a "progredir". Diz ele: "Este aqui é um tico-tico; aquele é um pardal." Quando o garotinho passa a se preocupar em saber qual é o tico-tico e qual é o pardal, já não pode mais ver ou ouvir pássaros como antes. Tem que vê-los e ouvi-los do jeito que o pai quer. O pai tem boas razões, já que poucas pessoas poderão passar a vida inteira ouvindo passarinhos, e quanto mais cedo o garoto começar sua educa­ção, melhor. Umas poucas pessoas, no entanto, continuam podendo ver e ouvir do modo antigo. Pintores, poetas, músi­cos ainda o fazem.

A consciência assim descrita requer a vida no aqui e agora, não em qualquer outra parte, no passado e no futuro. Uma boa ilustração das alternativas possíveis é ir para o trabalho de manhã, dirigindo o carro velozmente. A pergunta decisiva é: "Onde está a mente quando o corpo está aqui?" e existem comumente quatro respostas:

1. O homem cuja principal preocupação é chegar na hora é o que está mais afastado. Com o corpo na direção do seu carro e a mente na porta do escritório, ele não toma conheci­mento do que o cerca, salvo quando surgir algum problema, quando então seu soma se reunirá à sua psique. Este é o quadrado, cuja principal preocupação é saber com que cara aparecerá diante do patrão. Se chegar atrasado, se esforçará ao máximo para deixar bem claros os sinais de sua afobação. A Criança submissa está no comando, e seu jogo é "Veja Só Como Me Esforcei". Enquanto dirige ele é quase completa­mente carente de autonomia, e, como ser humano, está mais morto do que vivo. Não é impossível que esta seja uma condi­ção favorável para o desenvolvimento de hipertensão ou de entupimento das coronárias.

2. O Zangado, por sua vez, não está tão preocupado com o fato de chegar na hora como em colecionar desculpas para seu atraso. Acidentes, sinais luminosos mal sincronizados, barbeiragens ou simples burrices dos outros se ajustam bem ao seu esquema e secretamente são bem recebidos, como contribuições para jogar "Olhe Só O Que Você Me Fez Fazer". Ele também não se dá conta daquilo que o cerca, salvo o que possa auxiliar seu jogo, de modo que está apenas meio vivo. Seu corpo está no automóvel, mas sua mente está longe, procurando defeitos e injustiças.

3. Mais raro é o "motorista nato", o homem para quem dirigir um automóvel é ao mesmo tempo uma ciência e uma arte, perfeitamente adaptada à sua natureza. Enquanto progri­de veloz e habilmente através do tráfego, ele é um só com seu veículo. Também não toma conhecimento do que o cerca, salvo quando surgir alguma coisa que sirva para o exercí­cio de sua habilidade, mas ele está muito consciente de si próprio e da máquina que controla tão bem, e, no que diz respeito a isto, está vivo.

4. O quarto caso é o da pessoa que é consciente, e que não se apressará porque está vivendo o momento presente e no ambiente que o envolve: o céu, as árvores, a sensação de movimento. Apressar-se é negligenciar tudo isso e pensar apenas em algo que está por acontecer e que está longe, em meros obstáculos ou somente em si próprio. A pessoa consciente está viva porque sabe o que sente, onde está e o momento que vive. Sabe que depois que morrer as árvores continuarão lá e ela não poderá vê-las de novo; por isto quer vê-las agora com a máxima intensidade possível.

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