
Na pré-história, o instinto da fome fazia o homem buscar alimento, qualquer alimento. Em contraste, hoje em dia, comemos por desejo até mesmo sem fome: mas o que comemos é importante, onde comemos é importante. É diferente e temos desejo de comer num lugar sofisticado ou do melhor chocolate suiço.
Daí vem que o desejo não está diretamente ligado ao prazer mas ligado à procura de objetos. E os objetos nem sempre são saudáveis: se tenho que ir a uma festa ou churrasco, tenho que beber, comer fora de hora, sair tarde, isso seriam necessidades impostas? Por quê nos submetemos ?
A submissão vem por essa violência: a imposição da cultura sobre o ser humano, onde os desejos multiplicam-se de forma inatingível. E como dos desejos nasce a qualidade psíquica de nossas vidas, é importante entender o que diferencia os bons dos maus desejos. O mau desejo é aquele que se satisfaz imediatamente, sem tempo, sem a oportunidade de curtir a situação. Por outro lado, o desejo bom é aquele que começa e não tem um final instantâneo. Um exemplo de desejo mau é a busca de satisfação sexual pela internet, onde o que aparece é consumido imediatamente, comprometendo a erotização saudável de um relacionamento demorado corpo-a-corpo, que é o contraponto do desejo bom.
Outra esfera de estudo do desejo, mais profunda, tem a ver com a sua origem em algo básico nosso, que é ser desejado pelo outro, através da estética, da inteligência etc.
Com isso vem um conceito fundamental em nossas vidas, chamado de desejo paradoxal.
O desejo paradoxal surge quando o sujeito admira e hostiliza ao mesmo tempo seu objeto. É como a mãe que deseja a felicidade da filha mas ao mesmo tempo inveja sua formosura. Se ela teme que a filha engravide e isso acontece, no fundo ela pode se sentir realizada por não ter mais a faceta da inveja do corpo atraente e da vida potencial da jovem, embora diga-se chateada por ter avisado dos riscos de uma gravidez precoce.
Esse fenômeno chega a impedir que alcancemos um estado de felicidade por sermos reféns de desejos dos outros. No caso acima, o desejo da mãe é que a filha seja feliz e seu medo (desejo paradoxal) é que ela engravide. A essência do desejo paradoxal é que se eu realizar o desejo do outro, eu não preciso mais dele. Mas se eu realizar o seu medo, aí eu o terei para o resto da vida.
Dessa forma, o desejo paradoxal é a maneira que usamos para não perder nosso composto essencial de sermos desejados pelo outro. Se ele ama sua parceira e diz a ela para não lhe trair, na verdade o medo que ele tem não é o de perdê-la mas de se perder como objeto de desejo dela. Medo de que ela não o deseje mais e ele não saiba disso, e quando vier a saber sofra muito com essa descoberta. Após a descoberta o medo de ser traído se vai e ele então passa a buscar outras formas de ser desejado, como depressivo ou como coitado, sendo presa fácil de qualquer um que se disponha a acolhê-lo e dar-lhe a sensação de se desejado novamente. (procurar por Gregory Bateson para mais detalhes ...)
A troca de objetos e a felicidade: A felicidade poderia ser vista como um estado de prazer constante, mas sem precisar identificar qual objeto trás isso. E ao submetermo-nos ao desejo que fica trocando de objetos, identificado-os, nos afastamos da felicidade.
A sociedade moderna trouxe mais objetos de desejo, na forma de marcas, formatos e especificações na esperança que essa variedade possa não frustrar a busca. Se por um lado a tecnologia trás para perto objetos de desejo sem o risco que o desejo morra, pois pode-se rapidamente substituir esses objetos (pense nos relacionamentos instantâneos via internet), por outro lado tira nossa capacidade de lidar com a dor e a frustração ao inventar jeitos de mudar as coisas que sentimos (remédios, bebidas, drogas): perdemos os desejos bons mais criativos e regredimos aos mais instintivos sublimados em expressões fugazes e tolas.
E como podemos evitar essa armadilha de troca rápida de objetos? Talvez através da ligação do objeto ao afeto. É somente dando sentido afetivo nos objetos que podemos resgatá-los e protegê-los, mantendo vivo o desejo nas coisas mais permanentes que somos.
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