25 de ago. de 2007

Em Defesa da Política


Nós temos convivendo juntos nos centros urbanos os muito ricos e os muito pobres, às vezes a poucas centenas de metros de distância e isso não é resultado do atraso. É outra coisa.

Para compreender essa situação, é necessário perceber que nossa sociedade foi formada pelo trabalho escravo e muito da nossa forma de ser vem do escravismo, que degradava o escravo e corrompia o proprietário. Naquela época, o bom proprietário era aquele que não maltratava o escravo, mas ninguém se preocupava em dar ao escravo condições de um dia libertar-se de sua sina. Após a abolição, transformaram-se em devedores sem instrução e sem futuro. Essa herança é pesada.

Ao longo dos tempos, a nossa sociedade acabou por permitir a existência de uma camada rica que conseguiu “funcionalizar” a parte pobre. No passado havia a esperança que o progresso fosse eliminar a pobreza, mas isso foi mesmo uma ingenuidade.
A favela, que era a forma de entrada nas cidades das camadas camponesas, mais pobres, que depois teriam acesso a moradias à medida que melhorassem de vida -- tornou-se por excelência a moradia dos pobres urbanizados, com poucas chances de sair de lá.

Para os socialistas a pobreza era um desafio a ser vencido. A utopia era transformar a necessidade em liberdade. Para os neo-liberais, a solução encontrada foi funcionalizar a pobreza, ao invés de lutar contra ela. Nas esquinas das cidades e nos trens pode-se ver hoje uma multidão vendendo sobras, contrabandos, produtos roubados, pouco artesanato e muito coisa industrializada. São pessoas desempregadas, mas não são desocupados. Conseguiu-se então lograr essa façanha de transformar o que se chamava de “exército de reserva”, regulatório do mercado de trabalho, num bando de ocupados funcionais. Alguns falam que isso é inclusão social, como se houvesse possibilidade de termos alguém excluído do mundo da mercadoria... de forma que até mesmo esses desempregados acabaram por tornar-se parte do circuito de comercialização de produtos industrializados. Mas com poucos direitos às regalias.
Por isso, a pobreza hoje não é função do atraso, num país que teve índices impressionantes de crescimento agrícola e industrial, mas de uma artimanha que refuncionalizou ao seu favor e as migrações internas a miséria.

Por quê isso aconteceu? O capitalismo moderno detesta a autêntica política. A característica revolucionária deste sistema de produção cria um limítrofe invisível que só a política pode contornar, e por isso ela torna-se alvo de uma colonização pelo capitalismo.

Infelizmente, o trabalho não tornou-se banal em favor da liberdade. Isso ainda está por vir. O capitalismo até agora tornou o trabalho ainda mais necessário à medida que o escravizou ao atendimento de necessidades socialmente fabricadas. O social construiu objetos para nos dar a ilusão que temos poder, deslocando o desejo inato ao homem para um objeto industrializado. Ou seja, desloco o desejo de comer para saciar a fome para algo socialmente importante, como jantar num restaurante caro.

Esse truque pode tornar-se mais importante que a lucidez, retirando de nós todo o senso crítico. E como essas necessidades são artificialmente fabricadas, não são autênticas, a realização torna-se frustrante e implica na fabricação de mais necessidades. Não há fim no processo de desejar e adquirir. Ao tocar o brinquedo, o desejo passa e a criança precisa de mais brinquedos. Desta forma, cria-se a frustração do excesso no rico e a frustração da falta no pobre, alienado dessa espiral de desejos. Muito das perversões e agressões sociais vêm disso, da impressão desses frustrados que o que lhes falta foi um outro que tomou e que portanto precisa ser atingido, precisa prestar contas. Embora saibamos que o capitalismo ainda é a melhor opção para o desenvolvimento geral de um povo, isso de fato tem seu preço social, e precisamos estar cientes disso.

Então a política é importante para nós, apesar dos políticos. A política é importante para o cidadão comum porque ela é o meio inventado pelo qual as assimetrias do poder são contidas e corrigidas. O capitalismo é, por definição, um meio de produção que concentra poder. Quem pode opor-se a essa assimetria é a política.
Um exemplo de manifestação política autêntica são os sindicatos, que apesar de seus excessos e erros, foram de fato muito importantes nos anos ’70 e ’80. Sem eles, estaríamos numa situação talvez ainda mais desigual.

Hoje, a política parece irrelevante por aqui, totalmente sob o poder econômico. Há entre a política e a economia um momento de relação funcional positiva. Crises políticas já não afetam a economia, e isto é muito sério. Pois essa irrelevância significa que podemos já não ter mais poder para determinar reais mudanças na sociedade. Seria então a cidadania algo inútil? Qual o real poder do voto? A política tornou-se pequena e feia?

Não é bem assim. O parlamento brasileiro é um dos mais antigos do mundo, se considerarmos o tempo em que ficou ativo, e com longa tradição em negociação e tem poder. O paradoxo é que temos um parlamento forte mas os partidos políticos são fracos.
Como os parlamentares chegam ao congresso sem disciplina partidária, pois de fato são eleitos de forma fragmentada e sem claros compromissos ex-ante, só após a eleição é que eles vão se compôr e passam a representar uma clearing-house de interesses de representantes particulares.

Os presidentes de partido são, na verdade, fracos -- pois os interesses dos lobbistas é que vão direcionar os trabalhos do legislativo, nem sempre no melhor interesse da população que representam. Em resumo: legislativo forte e partidos fracos levam à compra de apoio e a discussão de pautas menores para a população.O executivo não consegue tratar dos grandes temas e a imagem denegrida do congresso acaba por afastar ainda mais a população da luta política.

Quando percebemos que a política não pode decidir sobre grandes questões, então precisamos de mais política e não de menos, pois as forças de mercado não corrigem as desigualdades. E esperar por milagres é dispensar a ação humana. Não é boa prática.

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