27 de mar. de 2010

Fui enganado por mim!


A supressão do raciocínio crítico geralmente começa cedo. Uma menina de cinco anos de idade, por exemplo, pode reconhecer a insinceridade da mãe, seja percebendo su­tilmente que, embora esta esteja sempre falando de amor e amizade, é na realidade fria e egoísta, ou de forma mais rude ao notar que a mãe está tendo uma aventura com outro homem ao mesmo tempo que está constantemente salientan­do seus elevados padrões morais.

A filha percebe a discre­pância. Sente-se ferida em seu senso de justiça e verdade, mas, dependendo da mãe que não admitirá qualquer embate, e, digamos, tendo um pai fraco em quem não pode con­fiar, vê-se obrigada a suprimir sua percepção crítica.

Bem depressa ela não mais notará a insinceridade ou infidelidade da mãe. Perderá sua capacidade de raciocinar criticamente, pôsto que lhe parecerá ao mesmo tempo inútil e perigoso con­tinuar fazendo-o.

Por outro lado, a criança fica impressio­nada com o padrão de ter de acreditar que a mãe é sincera e decente e que o casamento de seus pais é feliz, e pronta­mente aceitar esta idéia como se fosse sua.

Poderíamos seguir citando muitos mais casos da vida diá­ria em que as pessoas aparentam tomar decisões, aparentam querer algo, mas na verdade seguem a pressão interna ou externa de "ter de" querer aquilo que vão fazer.

Em ver­dade, ao observar o fenômeno das decisões humanas fica-se chocado pelo grau em que as pessoas se enganam ao consi­derar como decisão "delas" o que é, com efeito, uma submis­são a convenções, ao dever ou a uma simples coação.

Chega quase a parecer que a decisão "original" é um fenômeno rela­tivamente raro em uma sociedade que se imagina fazer da decisão individual a pedra angular de sua existência.

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