31 de dez. de 2009

Vitória de Pirro

Multiplicamos doenças por prazer, inventamos uma necessidade horrível, uma dúvida vergonhosa, regalamo-nos na licenciosidade, nutrimo-nos da noite, criamos balbúrdia no íntimo - e não saímos.

Por que sairíamos?

Despojado de sutis complicações, quem poderia olhar o sol senão com temor? Este é o nosso refúgio contra a contemplação, nosso único refúgio contra o simples e o claro.

Quem iria sair rastejando de sob o obscuro para ficar indefeso no ar ensolarado?

Não há terror da obliquidade tão certo quanto o mais notável terror da desesperança de saber como é simples a nossa mais profunda necessidade, como é intensa, e como é impossível satisfazê-la.

A ironia da condição do homem está em que a mais profunda necessidade é livrar-se da angústia da morte e do aniquilamento; mas é a própria vida que a desperta e, por isso, temos que nos recusar a ser plenamente vivos.

O que significaria exatamente, neste terra, ser inteiramente destituído de repressão, viver em plena liberdade física e psíquica? Só pode significar renascer para a loucura, sem os traços de caráter que ocultam essa psicose secreta.

Despojado de suas complicações, [isto é, de todas as defesas do caráter -- repressão, negação, percepção errônea da realidade] quem poderia olhar o sol senão com temor?

26 de dez. de 2009

Amadurecer

Na época em que a criança se torna um adulto, a procura inverti­da de uma existência pessoal através da perversão se instala em um mol­de individual e se torna mais secreta.

Tem de ser secreta, porque a comunidade não irá tolerar a tentativa das pessoas de se individualiza­rem por completo. Se for haver uma vitória sobre a deficiência e a limitação humanas, terá que ser um projeto social, e não individual. A sociedade quer que caiba a ela a decisão de como as pessoas irão transcender a morte; só irá tolerar o projeto ‘causa sui’ se ele se encai­xar no projeto social padrão. Caso contrário, haverá o alarma de "Anarquia!"

Este é um dos motivos para a existência de intolerância e censura, sob todos os modos, com relação à moralidade pessoal: as pessoas temem que a moralidade padrão vá ser solapada - outra ma­neira de dizer que temem já não poderem mais controlar a vida e a morte.

Diz-se que uma pessoa foi "socializada" precisamente quando aceita sublimar o caráter corporal-sexual de sua infância. Esses eufemismos significam, em geral, que a pessoa aceita traba­lhar no sentido de se tornar pai de si mesma ao abandonar seu projeto e entregá-los aos Pais.

O complexo de castração faz seu trabalho, e a pessoa se submete à realidade social; pode agora reduzir seus desejos e reivindicações e atuar com segurança no mundo dos poderosos adultos. Pode até doar seu corpo à tribo, ao Estado, ao mágico e protetor guarda-chuva dos adultos e seus símbolos; assim, seu corpo não será mais uma perigosa negação para essa pessoa.

Não existe diferença real entre uma impossibilidade infantil e uma impossibilidade adulta: a única coisa que a pessoa consegue é um auto-engano aprendido pela prática – aquilo que chamamos de um caráter adulto.