22 de mar. de 2009

Culpado


Um modo de surgimento do sentimento de culpa é a transformação do ressentido em culpado realizada pelo padre ascético.

O ressentido é alguém que nem age e nem reage realmente. O desgosto, a impotência em se vingar, a inveja, o envenenamento de todos os sentidos: eis para o homem esgotado o modo mais nocivo de reagir. Ao criar um inimigo que considera malvado e imaginando uma vingança contra seus valores, o que o ressentido faz é dar sentido a sua falta de força: o outro é sempre responsável do que ele não pode, do que ele não é.

O papel do padre é descarregar, aliviar seu rebanho do ressentimento acumulado que ele considera um explosivo capaz de destruir tanto um quanto o outro. Como se dá esse alívio descompressor?

O ressentido é alguém que sofre e porque sofre procura espontaneamente uma causa - um culpado - de seu sofrimento para sobre ele descarregar seu ódio, "distrair a dor pela paixão". Esse culpado, o padre lhe oferece: é ele mesmo, o ressentido. "Alguém deve ser culpado de que eu me sinta mal!", diz o ressentido, ignorando a causa de seu sofrimento; o padre lhe responde: "Tem razão, minha ovelha, alguém deve ser culpado, mas esse alguém é você mesmo; é você mesmo e apenas você que é culpado de você!"
Sua culpa, sua culpa, sua culpa! dizia incessantemente o ressentido; minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa! dirá agora o culpado.

É o padre que muda a direção do ressentimento. A má-consciência é o ressentimento voltado contra si próprio. Nasce assim, segundo essa "psicologia do padre", o Pecado.

7 de mar. de 2009

Herói aqui e lá


Pense nos casos de heróis empresariais americanos: desde Bill Gates, Steve Jobs a Jack Welch. Existe entre nós correspondentes desses personagens sociais? Sim, há de fato por aqui homens que marcaram sua época e as empresas que fundaram, mas menos como modelos de ação ou inspiração e mais como ilustração da pessoa, de sua dimensão social e moral.

Ou seja, entre nós as realizações só importam quando legitimamos socialmente o modo como se deram e o contexto em que se deram. Compare por exemplo o nosso Barão de Mauá, um exemplo de empreendedor de sucesso mal visto em sua época pela sociedade brasileira pelo fato de ter enriquecido em demasia, com Assis Chateaubriand dos Diários Associados -- alguém muito mais fascinante pelo modelo de relações sociais e políticas que estabeleceu, incluindo ações pouco éticas e estrondosas. Ele foi um homem temido e poderoso. Uma frase notável dele foi “Se a lei é contra mim, vamos ter que mudar a lei”.

Isso tudo para dizer que enquanto o modelo americano de herói se baseia no sujeito comum que individualmente supera o social e vence pelos méritos do trabalho, por aqui o valor dessa dimensão empresarial é balizada pelo comportamento moral, social e político em proporção muito maior do que lá. Para nós, as relações sociais têm mais valor que os indivíduos que compõe a sociedade.

O Brasil é uma sociedade semitradicional, que conjuga uma visão do mundo hieráquica e tradicional com outra igualitária e individualista. Portanto, o modelo de herói americano autêntico dificilmente terá o mesmo sucesso por aqui, só mesmo nos cinemas.