29 de nov. de 2008

Ideologia: a dissimulação dos interesses


A palavra ideologia pode assumir diversos significados. No início queria dizer ciência das idéias, compreendendo o estudo da origem e do desenvolvimento das idéias. Posteriormente, o termo passou a significar as idéias próprias de certos grupos sociais e políticos. Assim é que se fala em ideologia liberal, ideologia de esquerda, ideologia burguesa etc.

Por influência do pensamento de Karl Marx, a palavra ideologia tornou-se largamente utilizada na filosofia e nas ciências sociais, adquirindo um significado crítico e negativo. De acordo com essa vertente, ideologia seria não apenas um conjunto de idéias que elaboram uma compreensão da realidade, mas também um conjunto de idéias que dissimulam essa realidade, porque mostram as coisas de forma apenas parcial ou distorcida em relação ao que realmente são.

O que se buscaria ocultar ou dissimular na realidade poderia ser, por exemplo, o domínio de uma classe social sobre outra. Neste caso, a ideologia teria funções como a de preservar a dominação de classes apresentando uma explicação apaziguadora para as diferenças sociais. Seu objetivo seria evitar um conflito aberto entre opressores e oprimidos.

A ideologia seria, portanto, uma forma de consciência da realidade, mas uma consciência parcial e ilusória, que se baseia na criação de conceitos e preconceitos como instrumentos de dominação.

A ideologia desenvolve-se sobre uma lógica construída na base de la­cunas, de omissões, de silêncios e de sal­tos. Uma lógica montada para ocultar em vez de revelar, falsear em vez de esclarecer, esconder em vez de descobrir. A eficiência de uma ideologia depende de sua capaci­dade para ocultar sua origem, sua lacuna e sua finalidade. Suas "verdades" devem parecer naturais, plenamente justificadas, válidas para todos os homens e para todo o sempre.

Nas sociedades marcadas pela alienação e por ideologias desenvolve-se a chamada razão instrumental, ou seja, uma razão que se torna simples instrumento para atingir algum fim de poder ou dominação.

A banalização da miséria e da violência pelos meios de comunicação dessensibiliza as pessoas e promove o cinismo que só serve à ideologia dominante.

15 de nov. de 2008

Cristão e anarquista


Quando o anarquista, como porta-voz dos estratos declinantes da sociedade, exige, com bela indignação, "direito", "justiça", "direitos iguais", ele apenas está sob a pressão de sua incultura, que não pode compreender por que sofre realmente - de que é pobre, de vida...

Um instinto causal é poderoso dentro dele: alguém deve ser culpado por ele se encontrar mal... E a "bela indignação" mesma lhe faz bem, para todo pobre-diabo é um prazer xingar - dá uma pequena embriaguez de poder. Já o lamento, a queixa, pode dar à vida um encanto que a torne suportável: há uma sutil dose de vingança em toda queixa, censuramos nosso estado ruim, às vezes até nossa ruindade, àqueles que estão em outra condição, como sendo uma injustiça, um privilégio ilícito. "Se eu sou canaille [canalha], você também deve ser": com esta lógica se faz revolução.

Em caso nenhum a queixa vale algo: ela se origina da fraqueza. Se atribuímos nosso estado ruim a outros ou a nós mesmos - a primeira coisa faz o socialista, a segunda o cristão, por exemplo - é algo que não faz diferença. O que há em comum, digamos também o que há de indigno nisso, é o fato de que alguém deve ser culpado por se sofrer - em suma, de que o sofredor prescreve o mel da vingança para seu sofrimento.

... Os objetos dessa necessidade de vingança, como uma necessidade de prazer, são causas de ocasião: em toda parte o sofredor acha ocasiões para mitigar sua pequena vingança - se for cristão, repito, encontra-as em si mesmo...
O cristão e o anarquista - os dois são décadents. Mas, também quando o cristão condena, denigre e enlameia o mundo, ele o faz pelo mesmo instinto a partir do qual o trabalhador socialista condena, denigre e enlameia a sociedade: mesmo o "Juízo Final" é ainda o doce consolo da vingança - a revolução que o trabalhador socialista também aguarda, apenas imaginada para mais adiante... E o próprio "além" - para que um além, se não fosse um meio de denegrir o aquém?... (Crepúsculo dos Ídolos, Nietszche)

1 de nov. de 2008

Tempo em Silêncio


Do outro lado, tarde da noite
Eles perdem a linha outra vez
Ela jura que agora acabou
Ele sabe a bobagem que fez

Os gritos, a porta batendo
Ela quer que ele diga por quê
Não quero escutar, mas escuto
E eu sei que eles sabem que eu sei

Nada é tão lento quanto o tempo aqui dentro
Eu e eles e a nossa dor
Nada é tão denso quanto o tempo em silêncio
Eu e eles no elevador

Do outro lado e eu sei que eles sabem
Que eu andei bebendo de novo
Que eu gritei pra lua o seu nome
Que foi outra noite sem sono

Eles devem ter se assustado
Quando ouviram o vidro quebrando
E eu escondo a mão enfaixada
Quando o elevador vai chegando

Intimidade entre estranhos
Perfume e pasta de dente
E um outro cheio qualquer
Que a gente faz que não sente

Nada é tão lento quanto o tempo aqui dentro
Eu e eles e a nossa dor
Nada é tão denso quanto o tempo em silêncio
Eu e eles no elevador
(Intimidade Entre Estranhos – Leoni)

Moral


A descoberta da moral cristã é um acon­tecimento que não tem igual, uma verdadeira catástro­fe. Quem esclarece algo acerca dela é uma force majeure, um destino - ele quebra a história da humanidade em dois pedaços. Vive-se antes dele, vive-se depois dele...

O raio da verdade atingiu justamente aquilo que até hoje ocupava o lugar mais alto: quem compreende o que foi aniquilado, tenha o cuidado de observar se ainda so­brou algo em suas mãos.

Tudo o que era chamado de "verdade" até hoje foi reconhecido como a mais noci­va, pérfida e subterrânea forma de mentira; o pretexto sagrado de "melhorar" a humanidade foi reconhecido como ardil para sugar a própria vida, torná-la anêmica. Moral na condição de vampirismo...

Quem descobre a moral, descobriu junto o não-valor de todos os valores nos quais se acreditou e ainda se acredita; ele não vê mais nada de venerável nos tipos mais venerados, e in­clusive naqueles que foram proclamados santos; vê neles a espécie mais fatal de aborto, fatal porque fasci­navam...

O conceito "além", inventado como "mundo verdadeiro" para arrancar o valor ao único mundo existente - a fim de não deixar à nossa realidade terrena nenhum objetivo, nenhuma razão, nenhuma ta­refa!

A noção de "alma", "espírito", e por fim até a de"alma imortal", inventada para desprezar o corpo, torná­lo enfermo - "santo" -, para tratar com uma frivolidade terrível todas as coisas que na vida merecem seriedade, as questões de alimentação, moradia, dieta espiritual, tratamento a doentes, limpeza, clima!

Ao invés da saú­de, a "salvação da alma" - quer dizer, uma folie circulaire entre convulsões de penitência e histeria de redenção! A noção "pecado", inventada junto com o instrumento de tortura correspondente, o conceito "li­vre-arbítrio", a fim de confundir os instintos, a fim de fazer da desconfiança frente aos instintos uma segunda natureza!

Na noção do "ausente-de-si", do "negador­de-si-mesmo", a verdadeira marca da décadence, a se­dução do nocivo, a incapacidade de-encontrar-o-pró­prio-proveito, a autodestruição convertida em signo de valor absoluto, em "obrigação", em "santidade", em "di­vindade" no ser humano!

A noção "pecado", inventada junto com o instrumento de tortura correspondente, o conceito "li­vre-arbítrio", a fim de confundir os instintos, a fim de fazer da desconfiança frente aos instintos uma segunda natureza!

Por fim - e isso é o mais terrí­vel - na noção do homem bom a defesa de tudo aquilo que é fraco, doentio, malogrado, que-sofre-de-si-mes­mo, de tudo o que deve ir ao chão - crucificada a lei da seleção, transformada em ideal a oposição ao orgulho­so e bem-sucedido, àquele que diz sim, que está seguro, que dá garantia do futuro - e que a partir de agora se chamará de o mau... E tudo isso foi acreditado como moral! Ecce Homo.