15 de nov. de 2008

Cristão e anarquista


Quando o anarquista, como porta-voz dos estratos declinantes da sociedade, exige, com bela indignação, "direito", "justiça", "direitos iguais", ele apenas está sob a pressão de sua incultura, que não pode compreender por que sofre realmente - de que é pobre, de vida...

Um instinto causal é poderoso dentro dele: alguém deve ser culpado por ele se encontrar mal... E a "bela indignação" mesma lhe faz bem, para todo pobre-diabo é um prazer xingar - dá uma pequena embriaguez de poder. Já o lamento, a queixa, pode dar à vida um encanto que a torne suportável: há uma sutil dose de vingança em toda queixa, censuramos nosso estado ruim, às vezes até nossa ruindade, àqueles que estão em outra condição, como sendo uma injustiça, um privilégio ilícito. "Se eu sou canaille [canalha], você também deve ser": com esta lógica se faz revolução.

Em caso nenhum a queixa vale algo: ela se origina da fraqueza. Se atribuímos nosso estado ruim a outros ou a nós mesmos - a primeira coisa faz o socialista, a segunda o cristão, por exemplo - é algo que não faz diferença. O que há em comum, digamos também o que há de indigno nisso, é o fato de que alguém deve ser culpado por se sofrer - em suma, de que o sofredor prescreve o mel da vingança para seu sofrimento.

... Os objetos dessa necessidade de vingança, como uma necessidade de prazer, são causas de ocasião: em toda parte o sofredor acha ocasiões para mitigar sua pequena vingança - se for cristão, repito, encontra-as em si mesmo...
O cristão e o anarquista - os dois são décadents. Mas, também quando o cristão condena, denigre e enlameia o mundo, ele o faz pelo mesmo instinto a partir do qual o trabalhador socialista condena, denigre e enlameia a sociedade: mesmo o "Juízo Final" é ainda o doce consolo da vingança - a revolução que o trabalhador socialista também aguarda, apenas imaginada para mais adiante... E o próprio "além" - para que um além, se não fosse um meio de denegrir o aquém?... (Crepúsculo dos Ídolos, Nietszche)

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