14 de set. de 2008

Alguém errou


Parece iminente um desastre que ameace a coletividade?

Esta se reúne, e é naturalmente uma impressão de inquietude e de angústia que domina o grupo reunido. A experiência em comum desses sentimentos tem por efeito, como sempre, intensificá-los. Ao se afirmarem, eles se exaltam, se inflamam, atingem um grau de violência que se traduz pela violência correspondente dos gestos que os exprimem.

Como na morte de um parente próximo, as pessoas lançam gritos terríveis, se enfurecem, sentem a necessidade de rasgar e destruir; é para satisfazer essa necessidade que elas se batem, se ferem, fazem correr sangue.

Mas, quando as emoções têm essa vivacidade, por mais dolorosas que sejam nada têm de deprimente; ao contrário, denotam um estado de efervescência que implica uma mobilização de todas as forças ativas e inclusive um afluxo de energias exteriores. Pouco importa que essa exaltação tenha sido provocada por um acontecimento triste, ela não deixa de ser real e não difere especificamente da que se observa nas festas alegres. Inclusive ela se manifesta às vezes por movimentos da mesma natureza: é o mesmo frenesi que se apodera dos fiéis, a mesma tendência às orgias sexuais, sinal certo de uma grande excitação nervosa.

Pelo simples fato de serem coletivas, eles elevam a energia vital. Ora, quando as pessoas sentem em si a vida - seja sob a forma de irritação penosa, seja de alegre entusiasmo -, elas não crêem na desgraça; portanto, se tranqüilizam, voltam a ter coragem e, subjetivamente, tudo acontece como se o rito tivesse realmente afastado o perigo que se temia.

É dessa maneira que se atribuem aos movimentos de que ele é feito, aos gritos emitidos, ao sangue derramado, aos ferimentos infligidos em si ou nos outros, virtudes curativas ou preventivas; e, como essas diferentes sevícias fazem necessariamente sofrer, o próprio sofrimento acaba sendo considerado um meio de conjurar o mal, de curar a doença.

Mais tarde, quando a maior parte das forças religiosas tomou a forma de personalidades morais, explicou-se a eficácia dessas práticas imaginando que elas tinham por objeto aplacar um deus maléfico ou irritado. Mas essas concepções apenas refletem o rito e os sentimentos que ele suscita, são uma interpretação dele, não sua causa determinante.

Uma falta ritual não age de outra maneira. Também ela é uma ameaça para a coletividade; atinge-a em sua existência moral, já que a atinge em suas crenças. Mas se a cólera que ela provoca se afirma ostensivamente e com energia, essa cólera compensa o mal que a causou. Pois, se ela for intensamente sentida por todos, é que a infração cometida é uma exceção e a fé comum permanece inteira. A unidade moral do grupo não está, portanto, em perigo.

Ora, a pena infligida a título de expiação não é senão a manifestação dessa cólera pública, a prova material de sua unanimidade. Com isso ela tem realmente o efeito reparador que lhe atribuem. No fundo, o sentimento que está na raiz dos ritos propriamente expiatórios não difere em natureza daquele que encontramos na base dos outros ritos piaculares: é uma espécie de dor irritada que tende a se manifestar por atos de destruição. Ora ela se alivia à custa daquele mesmo que a sente, ora à custa de
um terceiro estranho. Mas em ambos os casos o mecanismo psíquico é essencialmente o mesmo.

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