
Todas as "más" ações são motivadas pelo impulso de conservação ou, mais exatamente, pelo propósito individual de buscar o prazer e evitar o desprazer; são, assim, motivadas, mas não são más.
"Causar dor em si" não existe, salvo no cérebro dos filósofos, e tampouco "causar prazer em si". Na condição anterior ao Estado, matamos o ser, homem ou macaco, que queira antes de nós apanhar uma fruta da árvore, quando temos fome e corremos para a árvore: como ainda hoje faríamos com um animal, ao andar por regiões inóspitas.
As más ações que atualmente mais nos indignam baseiam-se no erro de [imaginar] que o homem que as comete tem livre-arbítrio, ou seja, de que dependeria do seu bel-prazer não nos fazer esse mal. Esta crença no bel-prazer suscita o ódio, o desejo de vingança, a perfídia, toda a deterioração da fantasia, ao passo que nos irritamos muito menos com um animal, por considerá-lo irresponsável.
Causar sofrimento não pelo impulso de conservação, mas por represália é conseqüência de um juízo errado, e por isso também inocente. O indivíduo pode, na condição que precede o Estado, tratar outros seres de maneira dura e cruel, visando intimidá-los: para garantir sua existência, através de provas intimidantes de seu poder.
Assim age o homem violento, o poderoso, o fundador original do Estado, que subjuga os mais fracos. Tem o direito de fazê-lo, como ainda hoje o Estado o possui; ou melhor: não há direito que possa impedir que o faça.
Só então pode ser preparado o terreno para toda moralidade, quando um indivíduo maior ou um indivíduo coletivo, como a sociedade, o Estado, submete os indivíduos, retirando-os de seu isolamento e os reunindo em associação.
A moralidade é antecedida pela coerção e ela mesma é ainda por algum tempo coerção, à qual a pessoa de acomoda para evitar o desprazer. Depois ela se torna costume, mais tarde obediência livre, e finalmente quase instinto: então,como tudo o que há muito tempo é habitual e natural, acha-se ligada ao prazer - e se chama virtude. (Humano, demasiado humano)
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