
Aqui temos um primeiro aspecto crucial da discussão: que características determinam se uma atividade criminal vai tornar-se organizada? Os bingos sugerem crime organizado, mas o aborto, não. Quanto do crime organizado depende de mercados grandes, onde a vantagem de escala justifica um cartel? Quanto do crime organizado depende do mercado-negro, cuja existência vem de uma proibição legal e pode ser enfrentado através de reestruturação de mercados, ou quanto depende de atividades puramente criminosas e violentas?
Pensando então em configurações criminais, é útil agrupá-las nos seguintes tipos:
1- Mercado Negro: Boa parte do crime organizado está baseado em venda de produtos e serviços contrários à lei. Isso inclui drogas, prostituição, jogo, aborto, pornografia e contrabando. Embora não seja considerado explicitamente crime, a venda não autorizada de ingressos por cambistas, o trabalho de agiotas e diversas práticas em tempos de guerra também baseiam-se em vender algo fora da lei.
2- Extorsão: há dois tipos de prática, ambos baseados em violência: um tipo é o crime de monopólio, onde basicamente a concorrência é destruída ou ameaçada até retirar-se. Outro tipo baseia-se em extorsão pura, ou seja, fazer dinheiro às custas de outros – vendendo proteção parasitária.
3- Cartel: Uma conspiração para restringir o comércio ilegal e que leve a um grupo de firmas a agir juntas através de ações criminosas de fixação de preço.
Em todos os tipos acima, há claros incentivos para o crime tornar-se uma firma grande e organizada. A explicação mais simples é um alto custo fixo na operação, seja através de equipamento ou pessoal especializado necessário para tocar o negócio.
Uma segunda explicação é a possibilidade de vender sozinho por maiores preços, aumentando a margem de lucro mesmo que isso implique em vender um pouco menos.
Uma terceira razão é poder internalizar custos e atacá-los mais efetivamente. Um desses custos é a violência gratuita, que nas mãos dos pequenos bandidos acaba sendo maior do que a normalmente permitida por uma grande organização criminal, preocupada em evitar desgastes com a opinião pública e com a polícia.
Em outra situação, já que os abortos não serão legalizados nem eliminados, alguém poderia preferir que fossem melhor organizados. Dessa forma, haveria maior preocupação com a qualidade, já que há uma reputação a ser cuidada – algo que o criminoso individual normalmente não se preocupa. Isso é mesmo um paradoxo, pois apesar de ninguém defender o crime organizado, parece que a desorganização do crime leva a resultados sociais ainda piores.
No caso do mercado-negro, há uma interessante ligação entre os limites da lei e o sucesso do crime. Se não existe lei, ou ela não é aplicada, não há proteção suficiente para o mercado negro, e ele não se estabelece. Por exemplo, não há mercado negro para venda de cigarros para menores de idade, porque qualquer cidadão maior de idade é um potencial competidor. Por outro lado, se a lei é perfeitamente aplicada e não há conluio com a autoridade policial, o negócio ilícito nem chega a começar. Entre estes extremos pode haver pontos ótimos de trabalho, onde normalmente o crime se estabelece.
Entretanto, há outras razões para um negócio criminoso não seguir organizado: os abortos, por exemplo, pelas características de não ser um negócio de consumo frequente por uma mesma pessoa, ser algo de consumo secreto entre as indivíduos e resultar em muitas mortes – implica num negócio pouco atraente para organizar.
E quais características poderiam levar à escolha dos mercados para extorsão criminosa? Um primeiro critério é que as vítimas precisam ser carentes de proteção e distantes da lei. Outro aspecto é que as vítimas não devem poder se esconder, devido à natureza de seu negócio. Um ladrão dificilmente será chantageado, mas prostitutas e intermediários de jogos, sim. Terceiro, é importante poder monitorar as atividades e estimar lucros das vítimas, de forma a poder extrair o máximo dela, sem matá-las. E quarto, deve ser difícil para a vítima trocar de localidade sem perder parte significativa no negócio. Dessa forma, arrecadar 50% na forma de proteção acaba sendo o verdadeiro negócio do crime, e não o jogo ou a prostituição em si.
Entretanto, muitos podem admitir que embora a extorsão seja prejudicial à vítima, se o crime organizado fosse abolido provavelmente elas não conseguiriam sobreviver sozinhas. Haveria um preço ainda maior a ser pago pelo desorganização.
Por essa e por outras razões, o crime organizado deve manter-se firme por muitos e muitos anos, ainda servindo aqueles que por inocência ou hipocrisia querem seu fim.