27 de abr. de 2008

Economia do crime organizado

Geralmente a prática de extorsão e comércio de produtos ilegais é combatida através de investigação, acusação e condenação, em contraste com o conluio entre empresas e práticas comerciais abusivas – que são contidas através de regulamentação e reestruturação de mercados. Os estudos econômicos que são comuns nos mercados legais praticamente inexistem nos mercados ilícitos, que acabam sendo tratados através de medidas táticas de apreensão, ao invés de serem melhor compreendidos em seus aspectos estratégicos de incentivos e custos para se organizar o crime.

Aqui temos um primeiro aspecto crucial da discussão: que características determinam se uma atividade criminal vai tornar-se organizada? Os bingos sugerem crime organizado, mas o aborto, não. Quanto do crime organizado depende de mercados grandes, onde a vantagem de escala justifica um cartel? Quanto do crime organizado depende do mercado-negro, cuja existência vem de uma proibição legal e pode ser enfrentado através de reestruturação de mercados, ou quanto depende de atividades puramente criminosas e violentas?

Pensando então em configurações criminais, é útil agrupá-las nos seguintes tipos:
1- Mercado Negro: Boa parte do crime organizado está baseado em venda de produtos e serviços contrários à lei. Isso inclui drogas, prostituição, jogo, aborto, pornografia e contrabando. Embora não seja considerado explicitamente crime, a venda não autorizada de ingressos por cambistas, o trabalho de agiotas e diversas práticas em tempos de guerra também baseiam-se em vender algo fora da lei.
2- Extorsão: há dois tipos de prática, ambos baseados em violência: um tipo é o crime de monopólio, onde basicamente a concorrência é destruída ou ameaçada até retirar-se. Outro tipo baseia-se em extorsão pura, ou seja, fazer dinheiro às custas de outros – vendendo proteção parasitária.
3- Cartel: Uma conspiração para restringir o comércio ilegal e que leve a um grupo de firmas a agir juntas através de ações criminosas de fixação de preço.

Em todos os tipos acima, há claros incentivos para o crime tornar-se uma firma grande e organizada. A explicação mais simples é um alto custo fixo na operação, seja através de equipamento ou pessoal especializado necessário para tocar o negócio.

Uma segunda explicação é a possibilidade de vender sozinho por maiores preços, aumentando a margem de lucro mesmo que isso implique em vender um pouco menos.

Uma terceira razão é poder internalizar custos e atacá-los mais efetivamente. Um desses custos é a violência gratuita, que nas mãos dos pequenos bandidos acaba sendo maior do que a normalmente permitida por uma grande organização criminal, preocupada em evitar desgastes com a opinião pública e com a polícia.

Em outra situação, já que os abortos não serão legalizados nem eliminados, alguém poderia preferir que fossem melhor organizados. Dessa forma, haveria maior preocupação com a qualidade, já que há uma reputação a ser cuidada – algo que o criminoso individual normalmente não se preocupa. Isso é mesmo um paradoxo, pois apesar de ninguém defender o crime organizado, parece que a desorganização do crime leva a resultados sociais ainda piores.

No caso do mercado-negro, há uma interessante ligação entre os limites da lei e o sucesso do crime. Se não existe lei, ou ela não é aplicada, não há proteção suficiente para o mercado negro, e ele não se estabelece. Por exemplo, não há mercado negro para venda de cigarros para menores de idade, porque qualquer cidadão maior de idade é um potencial competidor. Por outro lado, se a lei é perfeitamente aplicada e não há conluio com a autoridade policial, o negócio ilícito nem chega a começar. Entre estes extremos pode haver pontos ótimos de trabalho, onde normalmente o crime se estabelece.

Entretanto, há outras razões para um negócio criminoso não seguir organizado: os abortos, por exemplo, pelas características de não ser um negócio de consumo frequente por uma mesma pessoa, ser algo de consumo secreto entre as indivíduos e resultar em muitas mortes – implica num negócio pouco atraente para organizar.

E quais características poderiam levar à escolha dos mercados para extorsão criminosa? Um primeiro critério é que as vítimas precisam ser carentes de proteção e distantes da lei. Outro aspecto é que as vítimas não devem poder se esconder, devido à natureza de seu negócio. Um ladrão dificilmente será chantageado, mas prostitutas e intermediários de jogos, sim. Terceiro, é importante poder monitorar as atividades e estimar lucros das vítimas, de forma a poder extrair o máximo dela, sem matá-las. E quarto, deve ser difícil para a vítima trocar de localidade sem perder parte significativa no negócio. Dessa forma, arrecadar 50% na forma de proteção acaba sendo o verdadeiro negócio do crime, e não o jogo ou a prostituição em si.

Entretanto, muitos podem admitir que embora a extorsão seja prejudicial à vítima, se o crime organizado fosse abolido provavelmente elas não conseguiriam sobreviver sozinhas. Haveria um preço ainda maior a ser pago pelo desorganização.

Por essa e por outras razões, o crime organizado deve manter-se firme por muitos e muitos anos, ainda servindo aqueles que por inocência ou hipocrisia querem seu fim.

13 de abr. de 2008

Mesa cheia, ilusão de fartura?


A fome muitas vezes alterou o rumo da humanidade, provocando êxodos e guerras. A luta contra a fome nem sempre é vitoriosa, pois há uma tradição milenar na má distribuição dos alimentos pelo mundo.

Na Idade Média, o pecado da gula era algo concreto e não havia esnobismo na escolha do que comer. A idéia da frugalidade alimentar imperava. Estar à mesa era uma alegria e saber administrar o uso e consumo dos alimentos, escassos para a não-nobreza, era uma tarefa importantíssima da dona de casa medieval. Queijo, ovos e carne eram muito caros e restritos, e a dieta medieval camponesa era baseada no pão, vinho e sopa.

Na Idade Moderna o europeu descobre o café, o chocolate, o açúcar. Os legumes e as verduras saem da mesa do camponês e vão para a mesa dos ricos. As grandes navegações trazem novidades do além-mar e a mesa começa a ficar mais farta.
O milho, o tomate, a batata, o chá, o açúcar, o chocolate viajam para a Europa. A imprensa começa a produzir tratados culinários que circulam pelas pessoas, ensinando-as a cozinhar melhor. O açúcar começa a ser misturado às frutas, que passaram do início das refeições para o final delas, na forma de compotas e geléias nas sobremesas. O chocolate, inicialmente consumido com pimenta entre os Astecas, começa a ser adoçado e adotado pela nobreza européia.

Comer bem entrou na moda a partir do século XVII. A gula deixou de ser pecado, e o bom gosto à mesa impõe-se como forma de ser chique. Alcachofras e aspargos passam a ser visto como novidades, e as carnes ganham importância. O que antes era ligado aos camponeses, que tinham estômago rústico para suportar alimentos básicos, agora entra no cardápio mais sofisticado que pede um preparo especial com cozimento e molhos sofisticados. Nosso churrasco, baseado em carne com pouco preparo, era tida como alimento de pobres, assim como carne de porco com grãos.

O consumo de café, que explode no século XIX como uma bebida que se opõe ao álcool, foi muita bem aceita no meio industrial. O chá, que se torna a bebida de público feminino com seus bules e xícaras trabalhadas, distingue-se do café – que torna-se uma bebida masculina que melhora a produtividade.

Uma novidade desta época é a sala de jantar, com seus serviços e pratos. Os talheres são dessa época, e os modos à mesa vão-se sofisticando. O bom gosto agora não é só aplicável às artes plásticas e à música, mas também à mesa. Surgem os primeiros restaurantes, como locais que serviam “caldos restauradores” – logo transformados em locais de encontros públicos em torno da comida.

A partir do século XIX, surge uma indústria alimentar e os fast-foods consolidam-se como verdadeiras linhas de montagem. O trabalho feminino migra de casa para o emprego e agora as pessoas com mais recursos vão em busca de gourmets e receitas específicas de diferentes países. A alimentação vira símbolo de status, juntamente com a abundância do alimento industrializado e vazio em nutrientes. Entram em competição a alimentação controlada por dietas, e o dia-a-dia de alimentos pouco saudáveis.

E temos vivendo no mesmo mundo pessoas absolutamente sem ter o que comer com pessoas obesas e mal alimentadas, inundadas de informação e conservantes.

6 de abr. de 2008

Desamparo


A solidão é vista como um estado horrível, a ser evitado a todo custo. Por que nos sentimos tão mal quando estamos sozinhos, abandonados aos próprios recursos? Quando estamos desacompanhados, parece que alguma coisa nos falta. Não nos sentimos como criaturas completas, mas buscamos o acréscimo de algo que nos é exterior.

O mais comum é acharmos que a plenitude será alcançada pela aliança com outra pessoa, que deverá possuir as partes que faltam em nós. Ou a busca pode dar-se em um todo maior, alcançado através da meditação ou da associação com entes superiores.

Essa sensação de ser incompleto pode estar na raiz de nossa energia voltada para a ação, para assim estarmos em busca de uma solução para diminuir nosso desamparo. O fenômeno amoroso também vem para auxiliar na atenuação dessa sensação. Entretanto, as soluções amorosas reforçam que não sou mais que uma metade, e que a dor voltará assim que forem desfeitas as precárias alianças que nos unem a quem nos aconchega.

Desta forma, o amor pode ser encarado como um fenômeno que busca trazer-nos de volta a uma situação neutra, vindo de uma condição negativa. Ele se renova apenas quando se recriam as condições de desamparo, o que pode explicar porque somos tão fortemente influenciados pela instabilidade e pelos eternos ciclos de destruição e reconstrução amorosos.

Nesses desequilíbrios nota-se que tendemos a um novo enamoramento seja porque estamos tristes e pouco capazes de uma seleção mais rigorosa ou porque mudamos de condição e agora buscamos alguém que corresponda a um modo de ser mais sofisticado do que os existentes em relacionamentos anteriores.

Mas, de uma forma ou de outra, o encantamento amoroso tem um componente racional que escondemos pois preferimos falar em simplesmente viver a paixão. A admiração mútua, que só existe porque valores racionalmente identificados existem, vêm alimentar nossa vaidade e fazer de nós seres especiais, seres que conseguiram ser alvo do desejo de alguém que escolhemos como especial.

A vaidade acoplada ao enamoramento aumenta nosso desejo de exibir em público nossa conquista, mas também pode desmoronar uma relação tão logo se perceba que o parceiro não é aquilo que esperávamos, e uma série de problemas inesperados aparecem.

Para os casos em que o enamoramento é bem sucedido, ao estado de euforia inicial sucede-se outro, mais maduro, de paz e aconchego. Isso é que marca a transição da paixão para o amor. Infelizmente aprendemos a associar apenas grandes luzes e emoções ao amor, quando o importante é a sensação de harmonia e serenidade. O fato da sensação de harmonia não resultar em bons filmes de amor, que sempre preferem as grandes tragédias e instabilidades, não pode nos enganar a respeito do que é a conquista amorosa: a volta à paz original.

Para aqueles que não querem vivenciar este estado por considerá-lo monótono, resta a alternativa de sucessivas brigas, separações e reencontros. Isso só poderá ser resolvido se ambos desenvolverem o gosto por vivenciar algo sereno e estável, em linha com que a natureza nos reserva através das alterações hormonais da condição adulta.

Nesse ponto, precisaremos ser capazes de estabelecer relações de fato interpessoais, onde nossa empatia possibilita avaliar as situações com o modo de pensar do outro. Entender o sexo e a amor como fenômenos interpessoais não é tão natural assim. Boa parte do que fazemos em termos de sexo e amor é, na verdade, dirigido a si próprios. Não só no exato momento do gozo sexual, como nos momentos em que vemos o outro como escravos de nossas necessidade amorosas, estamos exercitando momentos egoístas do relacionamento, tentando diminuir a nossa dor do desamparo.

Dessa forma, só pode estabelecer relações interpessoais aqueles que não percebem os outros como remédio para seus males e desamparos, mas que se aceitam como indivíduos solitários em seu modo de pensar e ser. De outro modo, qualquer movimento meu ou do outro que esteja em desacordo com as expectativas faz surgir dolorosa decepção de que alguém se enganou e que a felicidade pode não mais existir.

O caminho da relação interpessoal deverá passar obrigatoriamente pela amizade. O fenômeno do amor romântico do século XVIII buscou a frágil fusão de metades e acabou por ignorar o importante papel que a verdadeira amizade trás para os relacionamentos a dois. E o século XX acirrou a disputa entre os sexos, dificultando ainda mais o estabelecimento de uma verdadeira amizade no casal.

A amizade, vista como uma adorável sensação de bem estar e prazer, que não pretende mais que a companhia, a troca de idéias, boas risadas e a vivência em comum contrasta muito com a disputa entre os sexos e a idéia de poder e do consumismo para formar os pares. A amizade não foca na disputa, nem da ocultação, nem no desamparo, nem no sacrifício.

A afinidade na forma de pensar é o que há de mais essencial nas amizades, o que é diferente da busca pelos complementos, típico das paixões. A afinidade constrói uma ponte entre dois solitários, dando a sensação de entender e ser entendido. Se o amor estabelece um aconchego físico, a amizade estabelece um aconchego mais sofisticado, mais intelectual.

Nas amizades, as trocas são mais sinceras e o outro é respeitado como indivíduo, não existindo a idéia de que ele nos salvará de dores e desesperos. Ambos têm vida própria e são respeitados como tal. É outro indivíduo, e não parte nossa. Ao pensarmos nele como amigo, tentamos refletir sobre que desdobramentos as coisas terão na vida dele.

No amor, como não existe um outro indivíduo mas apenas parte de nós aqui e alí, pensamos antes nas atitudes dele e nos desdobramentos delas em nós – acabando por mostrar que interesses e necessidades individuais se escondem por trás de todas as atitudes e belas palavras.

Como já nascemos viciados em amor, fica difícil imaginar um caminho de união que passe pela evolução de uma amizade. Mas essa pode ser a solução para atenuar os mecanismos de dominação do amor, que muitas vezes não levam à salvação através do outro, que é também um perdido e desamparado como eu.