20 de out. de 2007

Junto ao Amor




Hoje sou mais a favor de uma união e da experiência do casamento do que já fui antes. Mas quando olhamos em torno percebemos que algo não vai bem, que algo está em transição. O casamento está em transição e o sentimento no qual ele se baseia também.
Estamos prestes a falar do amor. Então vamos enfrentar contradições e turbulências. O amor é um bem maior que se busca e ninguém é contra ele, mas o amor moderno não vem cumprindo o que promete. Está frequentemente provocando quebras de juras eternas e levando os casais a buscar relacionamentos extra-conjugais ou em série, desfazendo e construindo sucessivamente novas relações. O que estaria acontecendo?

A primeira coisa notável num casamento é a quantidade de coisas que não se pode fazer, como não poder comer o que se quer, não poder se mostrar mais experto que o outro, não poder pedir auxílio de alguém de fora se o parceiro considera-se capaz de resolver o problema (mesmo que não o resolva) e por aí vai. Daí nos dizem que isso é assim mesmo, que somos diferentes e temos que aceitar isso. Mas será que a chave para a solução disso é o se esforçar para tolerar o outro?

Parte do problema é que o amor tornou-se, na vida moderna, algo imensamente importante para nosso ego e a possibilidade de perder esse amor tornou-se tremendamente traumática, principalmente se isso ocorre pela simples escolha do outro (sendo neste aspecto talvez mais traumática que a separação inevitável pela morte do parceiro). Com isso, muita ansiedade acompanha o amor moderno, e para tentar diminuir isso uma das formas é tentar controlar o outro, torná-lo previsível através de uma série de regras e proibições.

Entretanto, surpreendentemente, há outras conexões políticas e sociais envolvidas. As incríveis disparidades sociais sempre exigiram um nível de controle social (embora nem sempre explícito), e de alguma forma a população tem aceitado isso. O fato de que para conseguir ter o amor do outro nós aceitemos a regra de que temos de nos submeter, com algum esforço, a esse tipo de micropoliciamento da relação, na verdade, nos prepara mentalmente para aceitar também esse policiamento que o Estado nos impõe, com uma diversidade enorme de proibições.
E isso é antigo: há registros de que na época de Henry Ford, os trabalhadores eram estimulados e recebiam prêmios se resolvessem se casar, já que era notório que os casados eram mais facilmente “domesticados” para o trabalho repetitivo nas linhas de montagem. Por aqui pode-se imaginar porque o Estado e a igreja sempre foram tão entusiastas do casamento. É porque ele é ótimo para manter a repressão de todos. A palavra que a criança mais ouve na vida é “não”, e ela assim se encolhe e perde muito da sua rebeldia. Naturalmente, algum nível de repressão sempre será necessário para a vida em grupo, mas será que não a temos em demasia atualmente, sem se perceber isso?

Quando se lê a história do casamento, sobre o modo como ele se torna uma instituição de controle social, vê-se que no início o casamento era um acordo particular entre duas pessoas, para preservar patrimônio e fazer alianças. Daí, o romantismo quebrou essa regra e deliberou sobre o casamento mais livre, por escolha amorosa e a igreja e depois o Estado aproveitaram para colocar as regras de como deveriam ser as coisas.
O casamento passou então a ser uma das bases sobre as quais o Estado organiza, registra e controla a vida privada dos cidadãos, sem que eles se revoltem.

Outro aspecto crítico é que se por um lado o dilema do casamento único está sendo subvertido por uma série de relacionamentos extra-conjugais, por outro lado ainda há a aceitação geral de que os pais já amorosamente separados devem continuar unidos pelo bem das crianças pequenas, quando de fato sabe-se que a maioria delas melhoram suas neoroses quando os pais briguentos finalmente separam-se.

O fato é que os formatos familiares não acompanharam as mudanças econômicas, como a entrada da mulher na força de trabalho. Naturalmente, essas transições de formato causam algum pânico nas pessoas, mas elas sempre acharam formas criativas de unir-se e separar-se. Entretanto, a frase muito usada “... você precisa trabalhar melhor o seu relacionamento” parece não surtir efeito e pode não ser mesmo o caminho.

Você já observou um casal dando ordens um ao outro? De algum modo, as pessoas parecem não querer ter tanta liberdade quanto seria possível. Há escolhas que podemos fazer em termos de amor, então por quê não escolher as opções de maior liberdade? Seria essa uma propensão humana, para aceitar estruturas sociais com formatos autoritários? Seria isso um formato introjetado pelos pais quando somos ainda crianças, ao termos nossos impulsos mais originais frequentemente aniquilados em nome da ordem social?

Penso que muito da relação conjugal acaba por reviver essas relações repressivas infantis, e nesse sentido talvez o lar seja mesmo a essência da repressão em todos nós. Essa é uma situação delicada, porque pertence à classe de assuntos que as pessoas reconhecem intimamente mas não querem reconhecer publicamente. Pense num amor maduro e frequentemente você vai ouvir sobre o esforço anunciado para suportarem-se mutuamente e para buscar um cola que grude direito. Mesmo uma relação paralela, que é justificada pela busca de diversão, costuma evoluir para um minicasamento, com regras próprias. O swing de casais, feito também para diversão, onde pode haver ligação sexual mas não amorosa entre os casais opostos, mostra-se também cheio de regras. Esse é um dilema humano: a livre expressão do desejo é ameaçadora para as estruturas e instituições sociais. Dessa forma, o que pensamos ser livre é, na verdade, extremamente regulado e contraditório.

Por quê então a união não pode ser vista mais como uma brincadeira, algo divertido de se viver? Não seria essa a essência do relacionamento que desejamos, sem ter que empenhar grandes esforços? Já que o encantamento amoroso, que podemos chamar de paixão, dura pouco, o que podemos esperar de bom em seguida? Não seria uma fase divertida que só a verdadeira amizade no casal pode dar?

13 de out. de 2007

11 Anos


Uma frase de um, a origem no outro.

“... nos deram espelho, e vimos um mundo doente
Tentei chorar mas não consegui”
R Russo

“ ... O homem selvagem, quando acabou de comer, está em paz com toda a natureza, e é amigo de todos os seus semelhantes. Se, algumas vezes, tem de disputar seu alimento, não chega nunca ao extremo sem ter antes comparado a dificuldade de vencer com a de encontrar em outro lugar sua subsistência; e, como o orgulho não se mistura ao combate, ele termina por alguns socos.
O vencedor come, o vencido vai procurar fortuna em outra parte, e tudo está pacificado. Mas, no homem da sociedade, é tudo bem diferente; trata-se, pri­meiramente, de prover ao necessário, depois, ao supérfluo. Em seguida, vêm as delícias, depois as imensas riquezas, e depois sú­ditos e escravos. Não há um momento de descanso. O que há de mais original é que, quanto menos as necessidades são naturais e prementes, tanto mais as paixões aumentam, e o que é pior, o poder de as satisfazer.
De sorte que, após longas prosperidades, depois de haver devorado muitos tesouros e desolado muitos homens, meu herói acabará por tudo arruinar, até que seja o único senhor do universo. Tal é, abreviadamente, o quadro moral, senão da vida humana, pelo menos das pretensões secretas do coração de todo homem civilizado.”
JJ Rousseau, ano de 1755

Algumas coisas não nos ensinam na escola, nem na Internet. Na época das navegações portuguesas que nos encontraram, o Vaticano dispunha na sua bula Inter Coetera, de 4 de Maio de 1493 a seguinte norma: “... por nossa mera liberalidade, e em razão da plenitude do poder Apostólico, todas as ilhas e terras firmes achadas e por achar ... A Vós e a vossos herdeiros e sucessores (reis de Castela e Leão) pela autoridade do Deus onipotente a nós concedida em São Pedro, assim como do vicariado de Jesus Cristo, vô-la doamos, concedemos e entregamos com todos os seus domínios, cidades, fortalezas, lugares, vilas, direitos, jurisdições e todas as pertenças. E a vós ... fazemos senhores das mesmas, com pleno, livre e onímodo poder, autoridade e jurisdição ... sujeitar-se a vós os moradores e habitantes delas, e reduzi-los à Fé Católica ... “. Essa é ainda uma lei vigente do direito latifundiário à terra que foi uma vez outorgada.

Aqui chegando e tomando posse, o colonizador utilizou-se fartamente da instituição social indígena do cunhadismo, onde um europeu casava-se simultaneamente com diversas índias e tornava-se parente de uma multidão local que podia por a seu serviço. Inicialmente comprados com bugigangas (espelhos... e ferramentas) depois caçados e escravizados, esse contingente indígena, que foi genocidado ao longo do tempo (há cálculos que falam em 4 milhões exterminados), essas indígenas que cruzaram com o europeu, formaram a base real do Brasil. Depois reforçados com o negro africano, trazido para cá para ser utilizado como carvão humano nos engenhos de açucar, formaram uma mão de obra escravizada e subjugada ao extremo, num retrato dos mais completos sobre a crueldade a que homens podem atingir. Entender nosso país passa necessariamente por entender o latifúncio, a casa grande, o escravo e a monocultura que existiu para tornar-nos um proletáriado externo dos europeus. Isso ao longo de séculos, indo do açucar para o ouro e para o café, existimos não para ser algo aqui, mas ser produtor para um senhor externo, sob um patronato e um patriciado colonial dominante e fulminante. Desde essa época, implantou-se um sistema de classes sociais predominante sobre a etnia dos europeus, negros, índios e seus descendentes de forma que a separação aqui foi, e ainda é, essencialmente por condição econômica e menos por raça ou cor.

Apesar de todo o desenvolvimento e progresso que a civilização trouxe, vale a pena refletir, de vez em quando, o quanto aqueles homens índios originais despojados de ambição e vivendo em comunidades indiferenciadas podiam transitar e viver livres e felizes em seu habitat florestal, algo que nós definitivamente nunca mais conseguiremos experimentar.


7 de out. de 2007

Desejo

O desejo é a representação moderna de uma violência contra os instintos do ser humano, através da cultura e da história da sociedade. A violência materializa-se como uma transformação dos instintos em desejo por coisas não plenamente acessíveis ao homem.

Na pré-história, o instinto da fome fazia o homem buscar alimento, qualquer alimento. Em contraste, hoje em dia, comemos por desejo até mesmo sem fome: mas o que comemos é importante, onde comemos é importante. É diferente e temos desejo de comer num lugar sofisticado ou do melhor chocolate suiço.

Daí vem que o desejo não está diretamente ligado ao prazer mas ligado à procura de objetos. E os objetos nem sempre são saudáveis: se tenho que ir a uma festa ou churrasco, tenho que beber, comer fora de hora, sair tarde, isso seriam necessidades impostas? Por quê nos submetemos ?

A submissão vem por essa violência: a imposição da cultura sobre o ser humano, onde os desejos multiplicam-se de forma inatingível. E como dos desejos nasce a qualidade psíquica de nossas vidas, é importante entender o que diferencia os bons dos maus desejos. O mau desejo é aquele que se satisfaz imediatamente, sem tempo, sem a oportunidade de curtir a situação. Por outro lado, o desejo bom é aquele que começa e não tem um final instantâneo. Um exemplo de desejo mau é a busca de satisfação sexual pela internet, onde o que aparece é consumido imediatamente, comprometendo a erotização saudável de um relacionamento demorado corpo-a-corpo, que é o contraponto do desejo bom.

Outra esfera de estudo do desejo, mais profunda, tem a ver com a sua origem em algo básico nosso, que é ser desejado pelo outro, através da estética, da inteligência etc.
Com isso vem um conceito fundamental em nossas vidas, chamado de desejo paradoxal.
O desejo paradoxal surge quando o sujeito admira e hostiliza ao mesmo tempo seu objeto. É como a mãe que deseja a felicidade da filha mas ao mesmo tempo inveja sua formosura. Se ela teme que a filha engravide e isso acontece, no fundo ela pode se sentir realizada por não ter mais a faceta da inveja do corpo atraente e da vida potencial da jovem, embora diga-se chateada por ter avisado dos riscos de uma gravidez precoce.

Esse fenômeno chega a impedir que alcancemos um estado de felicidade por sermos reféns de desejos dos outros. No caso acima, o desejo da mãe é que a filha seja feliz e seu medo (desejo paradoxal) é que ela engravide. A essência do desejo paradoxal é que se eu realizar o desejo do outro, eu não preciso mais dele. Mas se eu realizar o seu medo, aí eu o terei para o resto da vida.

Dessa forma, o desejo paradoxal é a maneira que usamos para não perder nosso composto essencial de sermos desejados pelo outro. Se ele ama sua parceira e diz a ela para não lhe trair, na verdade o medo que ele tem não é o de perdê-la mas de se perder como objeto de desejo dela. Medo de que ela não o deseje mais e ele não saiba disso, e quando vier a saber sofra muito com essa descoberta. Após a descoberta o medo de ser traído se vai e ele então passa a buscar outras formas de ser desejado, como depressivo ou como coitado, sendo presa fácil de qualquer um que se disponha a acolhê-lo e dar-lhe a sensação de se desejado novamente. (procurar por Gregory Bateson para mais detalhes ...)

A troca de objetos e a felicidade: A felicidade poderia ser vista como um estado de prazer constante, mas sem precisar identificar qual objeto trás isso. E ao submetermo-nos ao desejo que fica trocando de objetos, identificado-os, nos afastamos da felicidade.
A sociedade moderna trouxe mais objetos de desejo, na forma de marcas, formatos e especificações na esperança que essa variedade possa não frustrar a busca. Se por um lado a tecnologia trás para perto objetos de desejo sem o risco que o desejo morra, pois pode-se rapidamente substituir esses objetos (pense nos relacionamentos instantâneos via internet), por outro lado tira nossa capacidade de lidar com a dor e a frustração ao inventar jeitos de mudar as coisas que sentimos (remédios, bebidas, drogas): perdemos os desejos bons mais criativos e regredimos aos mais instintivos sublimados em expressões fugazes e tolas.

E como podemos evitar essa armadilha de troca rápida de objetos? Talvez através da ligação do objeto ao afeto. É somente dando sentido afetivo nos objetos que podemos resgatá-los e protegê-los, mantendo vivo o desejo nas coisas mais permanentes que somos.