25 de dez. de 2014

Esplêndida arte, ligações.

Ao tornar mais lento o decorrer da noite, ao dividi-la em partes ela soube transformar nosso curto espaço de tempo numa pequena arquitetura maravilhosa, como uma forma.

Imprimir forma a uma duração é uma exigência da beleza, mas também é da memória. Pois aquilo que não tem forma é inalcançável, imemorável.

Há um vínculo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento. Imaginemos uma situação das mais comuns: um homem andando na rua. De repente, ele quer se lembrar de alguma coisa, mas a lembrança lhe escapa. Nesse momento, automaticamente, seus passos ficam mais lentos.
Ao contrário, quem está tentando esquecer um incidente penoso que acabou de viver sem querer acelera o passo, como se quisesse rapidamente se afastar daquilo que, no tempo, ainda está muito próximo de si.

Conceber esse encontro como uma forma foi algo muito precioso, visto que essa noite não deveria ter amanhã e só poderia se repetir na lembrança.

21 de dez. de 2014

Lentidão e as chamas do êxtase.

Avançando pelo acostamento devagar, a 27Km/h ouço apenas um assovio e um empurrão de ar, seguido de outros. Certamente estão acima dos 200Km/h, costurando entre os carros.

Olho pro meu odômetro e ainda falta um bom trecho pelo rodoanel até chegar em Embu, hora e meia pela frente. Esses rapidinhos de moto, se estiverem indo prá lá, vão chegar em poucos minutos ...

Pensei em como pessoas podem não ter medo da morte se arriscando assim na velocidade e depois serem tão prudentes num assalto, numa briga, numa discussão no trabalho.

Talvez a velocidade máxima faça com que a pessoa só possa se concentrar naquele exato momento, agarrando-se num fragmento do tempo que é arrancado da sua continuidade, do seu passado-futuro. Nesse estado de êxtase, não sabe nada de sua idade, de seus amigos, familiares, preocupações e portanto não tem medo pois o medo tem uma ligação com a preocupação com o futuro e quem se liberta do futuro nada tem a temer.

Ao contrário do motociclista ou do motorista que vai a toda marcha, quem corre a pé ou de bicicleta está sempre presente em seu corpo, forçado a pensar em suas bolhas, cãibras, no seu fôlego. Enquanto vai seguindo sente seu peso, sua idade, consciente mais do que nunca de si mesmo e do tempo de sua vida.
E assim sente-se chegando a novos lugares que se mostram prazeirosamente familiares ao invés dos lugares chegarem rápidos e estranhos, num jet lag.