9 de jul. de 2008

Na Origem


Na origem, os deuses não são distintos do universo, ou, antes, não há deuses, mas apenas seres sagrados, sem que o caráter sagrado de que se revestem seja relacionado a alguma entidade exterior, como sendo sua fonte.

Os animais ou os vegetais da espécie que servem de totem ao clã e são o objeto do culto, mas não é que um princípio sui generis venha comunicar-lhes do exterior sua natureza divina. Essa natureza lhes é intrínseca; eles são divinos por si próprios. Mas, pouco a pouco, as forças religiosas se destacam das coisas de que, a princípio, não eram mais que atributos.

O politeísmo greco-latino, que é uma forma mais elevada e mais bem organizada do animismo, assinala um novo progresso no sentido da transcendência. A residência dos deuses se torna mais nitidamente distinta da dos homens. Retirados nas alturas misteriosas do Olimpo ou nas profundezas da terra, não intervêm mais pessoalmente nos assuntos humanos, a não ser de maneira bastante intermitente.

Mas é apenas com o cristianismo que Deus sai definitivamente do espaço; seu reino não é mais deste mundo; a dissociacão entre a natureza e o divino é, inclusive, tão completa que degenera em antagonismo. Ao mesmo tempo, a noção da divindade se torna mais geral e mais abstrata, pois é formada não de sensações, como no princípio, mas de idéias. O Deus da humanidade tem, necessariamente, menos compreensão que os deuses da cidade ou do clã.

Ora, quanto mais a consciência comum se torna geral, mais cede lugar às variações individuais. Quando Deus está longe das coisas e dos homens, sua ação não se dá mais em todos os instantes e já não se estende a tudo.

De fixo, só há as regras abstratas, que podem ser livremente aplicadas de maneiras muito diferentes. Mas elas não têm mais nem a mesma ascendência, nem a mesma força de resistência. Com efeito, se as práticas e as fórmulas, quando precisas, determinam o pensamento e os movimentos com uma necessidade análoga à dos reflexos, ao contrário, esses princípios gerais só podem transportar-se aos fatos com o concurso da inteligência.

Ora, uma vez a reflexão despertada, não é fácil contê-la. Quando ela adquire forças, desenvolve-se espontaneamente além dos limites que lhe foram atribuídos.

Começa-se colocando alguns artigos de fé acima da discussão, depois a discussão se estende até eles. Quer-se entendê-los, pergunta-se sua razão de ser e, de certo modo, eles passam por essa prova, deixando nela uma parte de sua força: porque as idéias refletidas nunca têm a mesma força coerciva dos instintos; assim é que movimentos que foram deliberados não têm a instantaneidade dos movimentos involuntários.

Por se tornar mais racional, a consciência coletiva se torna, pois, menos imperativa e, também por essa razão, ela incomoda menos o livre desenvolvimento das variedades individuais.

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