23 de mar. de 2014

Jornalismo, publicidade e credibilidade juntos?

Quando Fátima Bernardes usa sua credibilidade pessoal de jornalista para fazer publicidade, será que isso cria um dilema ético? Se isso não arranha sua reputação, então ela estaria criando uma nova e rentável carreira "começo jornalista e depois vou para publicidade"?

Na prática bastaria ela endossar o produto, segundo seus próprios critérios de moral pessoal e cachê? Pois há aqui, sem dúvida, um conflito de papéis.

O bom jornalismo é indutivo, é narrativo, constrói uma história, uma tese.
O bom jornalismo é argumentativo, busca colocar tijolo sobre tijolo numa linha de raciocínio que seja sólida, que faça sentido, que tenha começo, meio e fim.
O bom jornalismo é retrato, lida com a realidade, tem compromisso com a verdade, quer fatos, busca solidez, vive de ganhar a confiança do leitor com uma moeda de troca chamada "credibilidade".
O bom jornalismo é consequente, quer fazer pensar, faz perguntas pertinentes e procura encontrar respostas duradouras.
O bom jornalismo é um fazer que contextualiza as informações, estimula o senso crítico, na qual e para a qual é preciso ter um razoável senso de responsabilidade e de consequência.
O bom jornalismo é assertivo, objetivo, busca sempre fazer as perguntas certas ou então colocar um ponto final nos assuntos que cobre.

Já a publicidade guarda diferenças importantes em relação ao jornalismo.
Ela é dedutiva: em vez de caminhar da parte para o todo, construindo um contexto, a publicidade monta a sua história vindo do todo para a parte, focando só aquilo que lhe interessa, tomando um detalhe interessante, isolando um ponto bizarro ou engraçado, para logo em seguida expandi-lo desproporcionalmente, sem muita preocupação com o equilíbrio, a isenção, a correção e a "verdade". A verdade em publicidade é diferente da verdade em jornalismo, na medida em que as intenções e as expectativas são distintas.
A publicidade não constrói uma tese – constrói uma síntese.
A publicidade não é retrato – é pintura. E não lida com a realidade, mas com a fantasia. A publicidade precisa ser divertida, não tem qualquer compromisso com fatos, registros históricos ou respostas duradouras.
A publicidade não quer salvar ninguém nem ser edificante – ela prefere desconstruir elementos criativamente.
A publicidade não quer por as coisas em seus devidos lugares – ao contrário, ela busca tirar elementos do seus lugares para surpreender.
A publicidade é epidérmica, porque opera na superfície – ela tem 30 segundos e não 30 minutos; ela tem 5 ou 6 linhas de texto e não 5 ou 6 mil caracteres para fazer o seu ponto.
A publicidade não busca argumentar, construir uma linha de raciocínio. Muitas vezes ela sequer precisa fazer sentido. O que ela precisa é marcar, ser lembrada, se fazer registrar.
A publicidade não é objetiva  – ela é baseada na sacada, na piada, na ironia, que são as coisas mais subjetivas do mundo.
 A publicidade não busca a isenção. E não requer responsabilidade ou consequência.
O compromisso da linguagem publicitária é com o impacto. Ela tem que fazer rir, chorar, emocionar, surpreender, instigar (o desejo de consumo, especialmente).
A publicidade quer colocar um ponto de exclamação – e não um ponto final – nos temas que aborda.