Um homem deprimido, que se sentia ridículo, acha que o mundo é uma porcaria e resolve se matar. Está apenas aguardando o dia certo. Então, numa noite clara ele vê uma estrela solitária e percebe que chegou a hora. No caminho de volta, ele esbarra numa menina que pede ajuda: ele a empurra e só pensa em chegar em casa e apontar o revolver para o coração. É isso que ele faz, mas ainda em dúvida adormece antes de puxar o gatilho.
Quando ele pega no sono ele sonha que uma espécie de anjo o leva prá um outro lugar, uma espécie de paraíso onde as pessoas são tão felizes que nem falam umas com as outras. Elas se comunicam pelo pensamento, são muito harmônicas, telepáticas. Ali devia ser um paraíso que deu certo.
Isso começa a incomodá-lo, ele tenta falar com as pessoas mas elas apenas sorriem de volta. Todos parecem estar super bem com tudo e com todos. Aí, ele força a barra e consegue falar com alguém, ensina a mentira, o orgulho, a inveja. As pessoas pegam gosto, e daí chega mais gente, se esbarrando e querendo falar mais que as outras. Ele pede calma, mas não adianta: em pouco tempo começa aquela briga entre todo mundo, desanda tudo. Daí, surpreso, ele começa a se sentir melhor, relacionado com aquilo.
No meio da agonia ele acorda, desiste de se matar e resolve procurar a menina que ele tinha empurrado.
Percebeu que ele foi a serpente do paraíso que ele tinha encontrado, paraíso onde ele não se sentia bem e só quando o destruiu é que desistiu de se matar.
Tinha sido ensinado a acreditar que tentando ser ou parecer melhor tudo ficaria bem. Mas só quando aceitou que algo nele não funcionava, que era mesmo insuficiente é que conseguiu sair e enfrentar, vislumbrar a vontade de viver.
(conto de Dostoiévski).
30 de ago. de 2013
4 de ago. de 2013
Kitsch, o biombo do mundo
Esta é uma palavra alemã que apareceu em meados do sentimental século XIX e que, em seguida, se espalhou por todas as línguas. O uso repetido da palavra fez com que se apagasse seu sentido original: em essência, o kitsch é a negação absoluta da merda; tanto no sentido literal quanto no sentido figurado: o kitsch exclui de seu campo visual tudo que a existência humana tem de essencialmente inaceitável.
É preciso evidentemente que os sentimentos suscitados pelo kitsch possam ser compartilhados pelo maior número possível de pessoas. Portanto, o kitsch não se interessa pelo insólito, ele fala de imagens-chave, profundamente enraizadas na memória dos homens: a filha ingrata, o pai abandonado, os garotos correndo na grama, a pátria traída, a lembrança do primeiro amor.
O kitsch faz nascer, uma após outra, duas lágrimas de emoção.
A primeira lágrima diz: como é bonito crianças correndo no gramado!
A segunda lágrima diz: como é bonito ficar emocionado, junto com toda a humanidade, diante de crianças correndo no gramado!
Somente essa segunda lágrima faz com que o kitsch seja o kitsch.
A fraternidade entre todos os homens não poderá nunca ter outra base senão o kitsch.

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